O tema do
mal sempre foi espinhoso para a teologia, pois nele também estava em jogo a
imagem de um Deus bondoso. Se Deus é tão bom, se tudo o que Ele fez é bom, como
pode permitir o mal no mundo?
Alguns intelectuais
e artistas serviram-se desta percepção para justificar o seu ceticismo e o seu
ateísmo, eles afirmaram e afirmam ainda hoje que são incapazes de acreditar num
Deus que permite a morte dos inocentes.
Por outro
lado, aqueles que defendem Deus, afirmaram que as questões referentes à morte
dos inocentes, às injustiças, são um escândalo justamente porque existe um
Deus, se Ele não existisse essas questões seriam irrelevantes. Por que é que
iriamos nos preocupar, uma vez que não existe Deus? Nos preocupam justamente porque Deus existe.
As duas
posições são extremistas. A primeira assegura não acreditar em Deus por que
existe o mal e o segundo pretende defender Deus colocando-o mais uma vez no
limite, como um “tapa-buraco”.
Para nós que
somos cristãos, a resposta equilibrada e honesta a devemos procurar em Jesus Cristo.
O que vemos
nas atitudes de Jesus, conforme testemunho dos evangelhos, é que Jesus encarou
e enfrentou o mal desde o início da sua missão. Ele foi ao deserto e ficou
quarenta dias onde teve o embate contra o mal e de onde saiu vitorioso. Mateus
e Lucas falam que o mal se apresentou em forma de Diabo e Marcos fala de
Satanás (Cf Mt 4, 1-11; Mc 1, 12-13; Lc 4, 1-13). O que no
fundo expressa muito bem a mensagem evangélica, isto é, Jesus enfrentou-se aos
poderes do mal no mundo e saiu vitorioso. As imagens do Diabo e de Satanás
ajudaram a visualizar essa força real que existe no mundo e que deve ser tomada
com seriedade.
Jesus tomou
o mal no mundo com seriedade. Venceu o mal, mas a sua vitória não aconteceu ali
nesse período de quarenta dias no deserto, mas durante toda a sua vida. (Porque
se tivesse vencido o mal apenas naquele momento no deserto não teria sido
torturado e morto numa cruz). O que devemos compreender aqui é que Jesus venceu
o mal ao longo da sua vida.
A experiência
de Jesus com o mal foi concreta, não devemos imaginar que foi uma luta com
foices contra o Diabo ou contra Satanás. A luta foi contra homens, pessoas que
entregaram a vida ao projeto da morte. (Tudo aquilo que produz dor, injustiça e
morte faz parte do projeto do mal).
Jesus fez a experiência
concreta da dor física, psíquica e social. Foi torturado, crucificado, humilhado,
traído, soube que iria morrer, se sentiu abandonado pelos seus amigos e até
mesmo por Deus, seu Pai (Cf. Mc 14, 32-42). Sentiu tristeza, angústia, chorou
sangue. Foi implacável contra o Templo, contra aqueles que colocavam mais pesos
nas costas das pessoas, defendeu os mais pobres mostrando a sua solidariedade
com os injustiçados. Jesus fez a experiência
do mal. E não ficou passivo. Libertou endemoninhados, curou doentes, alimentou
famintos, multiplicou pães, consolou pessoas. Na cruz, mesmo confuso, gritou: (Mc
15, 34: “Eloi, Eloi,
lemá sabachtáni” “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”). O pai não respondeu naquele momento. A sua resposta foi a
Ressurreição.
Afirmar hoje que o mal no mundo seja o Capeta, o Demónio ou Satanás é
dar ouvidos aqueles que desejam negociar (e lucrar) com essas figuras que se
tornaram “figuras debilitadas” do mal (debilitadas, pois até certos “pastores”
são capazes de expulsá-los). Devemos evitar essas figuras que facilmente servem
como justificativas do mal no mundo (é sempre mais fácil culpar os outros,
melhor ainda se podemos culpar uma entidade capaz de nos forçara realizar o que
não devemos. De modo que tira a nossa responsabilidade). Devemos deixar-nos
guiar por Jesus, dar a importância na medida certa ao mal, enfrentá-lo com
coragem, sem esquecer que ele foi vencido por Jesus, o que significa que o mal
é vencível, que podemos sim enfrentá-lo e vencê-lo.
O mal é real mostra a sua cara na dor que produz. Também nas
atrocidades cometidas nas guerras como na Síria, onde mais de 300 mil pessoas
morreram, ou nos atos covardes de terrorismo. Mas o mal que mata todos os dias
em nossas comunidades passa pelos poderes, pelas mãos dos senhores
engravatados, que condenam com as suas corrupções milhares de pessoas à pobreza.
O mal passa pela sedução de poder, de lucro, que não respeita a vida, menos
ainda a natureza. (Para lucrar mais descuidam a manutenção de barragens que estouram
cobrindo povoados, matando pessoas e rios, condenando milhares de pessoas ao
sofrimento).
O mal existe, claro que existe, mas não o vamos encontrar voando por
aí, nem “possuindo” corpos para atormentá-los; o mal é muito mais sutil, ele
quer seduzir, deseja que lhe ofertemos a nossa vida, que dediquemos a nossa
vida a ele. Muitos se deixaram seduzir: mentem, enganam, corrompem, lucram com
a desgraça dos outros, destroem, matam, se alimentam da pobreza, se vestem de
lobo, mas tiram o sangue dos pobres. O mal é real, mas não o devemos buscar nas
igrejas, nem nos centros de exorcismos, nos terreiros ou nas camas das pessoas.
Antes o devemos procurar em nós, em nosso coração.
A boa nova é que o mal é vencível, pois Jesus o venceu, ele o
enfrentou com Amor, com fé e com esperança. Eis o caminho para enfrentá-lo. A
resposta para o mal é o Amor (Jesus amou as pessoas até o fim: amou os pobres,
as crianças, os marginalizados, não fez distinção, entrou nas casas de todos,
de pobres e ricos, não as amou porque eram boas, as amou porque quase todas
estas pessoas eram vítimas do mal no mundo, as amou porque eram empobrecidas a consequência
do mal (até os ricos são empobrecidos e vítimas do desejo de lucro que cega e
não permite ver os outros como pessoas, menos como irmãos).
Jesus gritou desde a cruz, mas não deixou de ter fé em seu Pai. “Que se
faça a tua vontade”, disse ele após pedir, suplicando ao Pai se poderia “apartar
o cálice da dor”. Para enfrentarmos o mal no mundo precisamos ter fé (o
ceticismo ou o ateísmo, embora mereçam respeito, não constroem esperança, mas
desolação e depressão em pessoas que não conseguem ver sequer uma luzinha no
final do túnel). A fé ajuda a olhar o mundo ferido pelo mal com otimismo.
Podemos lutar juntos contra o mal e podemos vencer e tornar este mundo menos
doloroso. O compromisso sério com a política é um dos caminhos, existem muitos
outros.
A esperança e a imaginação são fundamentais na luta contra o mal. Jesus
fez a experiência do mal, mas a sua vida foi cheia de beleza, de encontros, de
amizade, isto é, a vida não pode ser entregue apenas à tristeza, melancolia, pois
uma atitude pessimista não ajuda em nada. Jesus tinha esperança, alegria de
viver, gostava de poesia certamente, os seus ensinamentos estão cheios de
poesia, falava de crianças, de flores, de pássaros. Gostava de partilhar com os
amigos, os visitava, ia em festas, jantas, (até mesmo foi acusado de ser
beberrão e comilão:
“Veio este Homem que come e bebe, e dizem: vede que comilão e beberrão, amigo
de coletores e pecadores” (Mt 11, 19).
A nossa
atitude como cristão deve ser essa, de esperança e de imaginação (sonhar e
acreditar que as relações entre as pessoas podem ser diferentes). Devemos ter consciência
do mal no mundo (não devemos aceitá-lo jamais como algo natural), mas sem
esquecer a esperança, o otimismo e o bom humor. A alegria é um antídoto contra
o pessimismo, o que de modo algum é um convite à indiferença.
*Imagens da internet.