Numa
viagem de ônibus sentou-se perto de mim uma pessoa muito falante e simpática.
Sorria o tempo todo e falava com muita facilidade. Dialogávamos tranquilamente
sobre os mais variados temas até que apareceu a questão de Deus. Ele disse que
não acreditava em Deus. Então é melhor continuarmos a falar sobre futebol, foi
a minha resposta, pois eu tenho fé em Deus e você não, o que muda toda a nossa
perspectiva (por favor, entenda, não estou dizendo que eu seja melhor que você,
pelo amor de Deus!). Digo somente que temos pontos de vista diferentes. Por
exemplo, se falarmos do ser humano não vamos nos entender, pois para você ele
vem do acaso e no fim da sua vida acabará no nada; para mim não, cada ser
humano é uma dádiva divina e no final da sua vida se entregará à esperança de
que a vida continuará no mistério do coração de Deus.
Para
refletirmos sobre este tema e sobre todos os temas deste blog será necessária a
fé ou poderá ser uma perda de tempo. Lembro que num curso que estava iniciando
levantei esta mesma questão. Não podemos começar o nosso curso se alguém de
vocês disser, por exemplo, que não acredita que o ser humano seja uma obra do
amor de Deus. Alguém levantou o dedo e disse que não acreditava que o ser
humano fosse criação de Deus (com certeza tinha os seus motivos para não
acreditar, quem sabe tivesse uma experiência muito dura com relação aos outros).
Disse-lhe que para esse curso seria fundamental acreditar, ter fé, embora a fé
nunca possa ser inventada.
Quero dizer
com isto que para início de conversa devemos ter um terreno comum e creio que
esse terreno é propício, pois o objetivo do blog é chegar às pessoas das
comunidades de fé.
Dito
isto, devemos pensar no ser humano e devemos repetir a pergunta do salmista que
maravilhado diante da beleza humana (que é capaz de criar maravilhas, de se
doar, de pensar, de amar, de perdoar, construir pontes e máquinas) pergunta-se
por quê foi feito desse jeito, inferior apenas a Deus. “O que é o homem para
que dele te lembres?... o
fizeste pouco menos do que um deus, de glória e esplendor o coroaste” (Sal.
8,5-6). Isto é naturalmente uma confissão de fé do salmista, ele está
convencido de que o ser humano é obra de Deus.
Se
alguém nos perguntasse o sentido de acreditarmos que o ser humano é obra de
Deus, dizendo me explique, por favor, a sua fé de que Deus é o Deus criador de
tudo e de todos e que o ser humano faz parte dessa criação, o que
responderíamos? A
primeira tentação seria convidar essa pessoa a ler o livro do Génesis,
especialmente os capítulos 1 e 2 para que comprove por si mesmo o que está
escrito ali como “prova” a nosso favor. Porém, esta pessoa pode nos dizer que
esses capítulos da Bíblia foram escritos como uma linguagem figurada, como uma
narrativa alegórica (exemplo: contamos uma historinha às crianças para que compreendam
alguma realidade que ainda não conseguem entender, por isso utilizamos uma
linguagem figurada... a história da sementinha na barriga da mãe, por exemplo).
Os
primeiros capítulos da Sagrada Escritura tem essa função, falar de uma verdade
muito difícil de ser compreendida na época (é preciso lembrar que essas
histórias antes de serem escritas foram passadas pela tradição oral, de pais
para filhos, por séculos; poucos sabiam escrever, poucos sabiam ler, estamos
falando de uma tradição de mais de 2800 anos mais ou menos). Além do mais, ao
falar de verdades tão profundas a Bíblia não tinha a pretensão de ser ciência,
cujo conceito ainda nem existia, os escritores sagrados não pretendiam explicar
o mundo com uma visão científica, o que eles queriam era tornar compreensível a
fé no Deus Javé, que por amor, acompanhou na história os seus filhos e suas
filhas desde sempre.
Pois
bem, apenas no século passado a leitura e a escrita se popularizaram, e a
crítica literária (estudo dos textos) aprofundou e questionou tudo o que foi
escrito e que foram utilizados para sustentar dogmas religiosos. De modo que
ficou comprovado que os primeiros capítulos da Bíblia e grande parte do
Pentateuco, tinham muito desta linguagem alegórica, o que não significa de
nenhum modo que sejam mentiras, nada disto, significa apenas que foram escritos
com uma linguagem específica para que fossem compreensíveis naquela época.
É por
isto que a teologia cristã se viu obrigada a reinterpretar tudo, pois verdades
tão grandes não podem ser alicerçadas sobre linguagem alegórica (exemplo: o
pecado original foi sustentado sobre a figura de Adão e Eva que foram
desobedientes e comeram a maçã e foram expulsos do paraíso e cuja culpa “sofremos”
até hoje. No batismo da criança, por exemplo, dizia-se, que era para lavar da
“mancha do pecado original”). Acontece que essas figuras são alegorias, ninguém
mais acredita que essas historinhas da maçã, da serpente, do paraíso perdido,
devam ser compreendidas ao pé da letra. Elas são narrativas que precisam ser
interpretadas, precisamos ver o seu sentido.
(Na
próxima postagem continuaremos com o tema – se quiser, poderá dar uma olhadinha
no livro do Gênesis, perceba as duas narrativas da criação).
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