terça-feira, 30 de junho de 2015

UMA METÁFORA



Religião e arte são duas irmãs que ora estão bem ora estão brigadas. As duas são linguagens e não têm nenhuma utilidade em si mesmas a partir de um olhar económico. A sua grandeza reside na linguagem. (Aqueles que as comercializam são meramente comerciantes).

Pessoas do nosso tempo se deixam seduzir facilmente pelos números. Algo se torna notícia quando entra em jogo números. Quanto custa um quadro de Van Gogh? Alguns chegaram a pagar mais de 140 milhões de dólares por uma tela. Até mesmo o pintor, se estivesse vivo, ficaria escandalizado e perceberia que alguma coisa está errada com o mercado. O pintor que viveu e morreu miseravelmente, com certeza não precisaria dos milhões, mas apenas o necessário para exercer a sua arte com dignidade.

A arte é uma realidade e o mercado é outra.

A religião por lidar com o espírito humano, assim como a arte, é um caminho que pretende elevar o nosso espírito a um patamar superior onde a liberdade do ser é a única meta. A religião não tem utilidade prática, mas ela é uma linguagem capaz de humanizar e libertar. A arte como linguagem faz o mesmo. Diante da beleza o espírito humano se liberta, torna-se mais leve e pode voar.

Quando a religião se torna moeda de troca, quando Deus é apresentado como um vil comerciante, a religião perde a sua beleza e volta a ser apenas expressão da nossa mesquinharia.

Comercializar o sagrado enganando as pessoas é aviltante. Por isso precisamos insistir e não esquecer que as expressões essenciais da nossa relação com Deus não podem ser compradas ou vendidas. O perdão, a misericórdia, o amor, a graça, a bênção, a salvação, são sinais dessa relação e são completamente gratuitas. Quem comercializar com estas realidades está mentindo.

Quem ouvir atentamente uma bela melodia como o de Bach (por exemplo, Cello Suites, se nunca ouviu procure ouvir) não pode deixar de sentir o seu espírito se mexer de alegria. Porque a arte tem essa peculiaridade de elevar o espírito humano.

Então aconteceu um fato que faz parte da limitação humana, a música termina, o olhar extasiado diante de um quadro se desvia, uma obra de teatro acaba, um ritual religioso conclui. Ninguém passa olhando um quadro o dia inteiro, pois perderia o seu encanto. Ninguém passa rezando durante o dia inteiro, ninguém aguentaria.

A arte como a religião são apenas linguagens. São admiráveis em si mesmas por aquilo que são capazes de produzir em nosso espírito. A arte comercial serve para ganhar dinheiro. Uma religião deturpada vende desde a bênção até mesmo uma suposta salvação.

A religião se for autêntica oferece oportunidades, mostra o caminho, acompanha, acolhe e principalmente humaniza. Anuncia o amor gratuito de Deus que é Pai e por amar tanto os seus filhos, enviou o Seu ao mundo não para morrer numa cruz, mas para anunciar o amor incondicional que Deus tem por nós (infelizmente o anúncio comprometido com a verdade o levou, primeiro à tortura e depois à morte).

Quando uma religião está mais preocupada em falar de pecado, do diabo e de condenações, ao invés de anunciar a Boa Nova do Amor do nosso Pai, com certeza é uma religião preocupada muito mais consigo mesma do que com o anúncio.

Assim como a arte, a religião é uma linguagem que deveria nos tornar seres humanos melhores. Deveria proporcionar caminhos de encontro com Deus e nos libertar. Fazer parte de uma tradição religiosa é muito belo e ser livre dentro dela é ainda melhor.

Compreender que Deus é Pai e que em primeiro lugar nos ama é uma lição que devemos aprender dentro de uma tradição, se ela não nos fala disso devemos, no mínimo, desconfiar. Assim como é lícito desconfiar da arte que tem como finalidade apenas lucrar.
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Imagens: "A noite estrelada" (Van Gogh); Procissão com velas. Fonte: Internet.

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