Religião e
arte são duas irmãs que ora estão bem ora estão brigadas. As duas são linguagens
e não têm nenhuma utilidade em si mesmas a partir de um olhar económico. A sua
grandeza reside na linguagem. (Aqueles que as comercializam são meramente comerciantes).
Pessoas do
nosso tempo se deixam seduzir facilmente pelos números. Algo se torna notícia
quando entra em jogo números. Quanto custa um quadro de Van Gogh? Alguns chegaram
a pagar mais de 140 milhões de dólares por uma tela. Até mesmo o pintor, se
estivesse vivo, ficaria escandalizado e perceberia que alguma coisa está errada
com o mercado. O pintor que viveu e morreu miseravelmente, com certeza não precisaria
dos milhões, mas apenas o necessário para exercer a sua arte com dignidade.
A arte é uma
realidade e o mercado é outra.
A religião por lidar com o espírito humano,
assim como a arte, é um caminho que pretende elevar o nosso espírito a um
patamar superior onde a liberdade do ser é a única meta. A religião não tem
utilidade prática, mas ela é uma linguagem capaz de humanizar e libertar. A arte
como linguagem faz o mesmo. Diante da beleza o espírito humano se liberta,
torna-se mais leve e pode voar.
Quando a
religião se torna moeda de troca, quando Deus é apresentado como um vil
comerciante, a religião perde a sua beleza e volta a ser apenas expressão da nossa
mesquinharia.
Comercializar
o sagrado enganando as pessoas é aviltante. Por isso precisamos insistir e não esquecer
que as expressões essenciais da nossa relação com Deus não podem ser compradas
ou vendidas. O perdão, a misericórdia, o amor, a graça, a bênção, a salvação, são
sinais dessa relação e são completamente gratuitas. Quem comercializar com
estas realidades está mentindo.
Quem ouvir atentamente
uma bela melodia como o de Bach (por exemplo, Cello Suites, se nunca ouviu procure ouvir) não pode deixar de
sentir o seu espírito se mexer de alegria. Porque a arte tem essa peculiaridade
de elevar o espírito humano.
Então aconteceu
um fato que faz parte da limitação humana, a música termina, o olhar extasiado diante
de um quadro se desvia, uma obra de teatro acaba, um ritual religioso conclui. Ninguém
passa olhando um quadro o dia inteiro, pois perderia o seu encanto. Ninguém passa
rezando durante o dia inteiro, ninguém aguentaria.
A arte como
a religião são apenas linguagens. São admiráveis em si mesmas por aquilo que são
capazes de produzir em nosso espírito. A arte comercial serve para ganhar
dinheiro. Uma religião deturpada vende desde a bênção até mesmo uma suposta
salvação.
A religião se
for autêntica oferece oportunidades, mostra o caminho, acompanha, acolhe e principalmente
humaniza. Anuncia o amor gratuito de Deus que é Pai e por amar tanto os seus
filhos, enviou o Seu ao mundo não para morrer numa cruz, mas para anunciar o
amor incondicional que Deus tem por nós (infelizmente o anúncio comprometido
com a verdade o levou, primeiro à tortura e depois à morte).
Quando uma
religião está mais preocupada em falar de pecado, do diabo e de condenações, ao
invés de anunciar a Boa Nova do Amor do nosso Pai, com certeza é uma religião
preocupada muito mais consigo mesma do que com o anúncio.
Assim como a
arte, a religião é uma linguagem que deveria nos tornar seres humanos melhores.
Deveria proporcionar caminhos de encontro com Deus e nos libertar. Fazer parte
de uma tradição religiosa é muito belo e ser livre dentro dela é ainda melhor.
Compreender que
Deus é Pai e que em primeiro lugar nos ama é uma lição que devemos aprender
dentro de uma tradição, se ela não nos fala disso devemos, no mínimo,
desconfiar. Assim como é lícito desconfiar da arte que tem como finalidade
apenas lucrar.
......
Imagens: "A noite estrelada" (Van Gogh); Procissão com velas. Fonte: Internet.
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