quarta-feira, 27 de maio de 2015

ESPIRITUALIDADE NÃO É UMA FERRAMENTA

A espiritualidade não é uma ferramenta religiosa, ela é uma dimensão do que somos. Sou um ser espiritual. (Muitos acreditam que a razão seja como uma máquina dentro da nossa cabeça ou que a fé seja como um crivo material por onde passam tudo o que se refere a Deus. Tanto a razão como a fé não são máquinas, elas fazem parte da nossa dimensão espiritual).
Na vida existem muitos modos de viver a dimensão espiritual. Alguns a vivem a partir da fé em Deus e outros sem uma fé religiosa. Viver a espiritualidade a partir da fé não significa deixar de alimentar o espírito com todas as dádivas que Deus nos concedeu. A beleza da natureza é a primeira grande fonte da espiritualidade. A contemplação da natureza e de tudo o que é belo nos ajuda a entrar em sintonia com o nosso “eu” mais profundo (O “eu” mais profundo não significa que existiam vários “eus”, mas apenas que o “eu” de todos os dias pode estar apenas na superficialidade da vida. Viver somente na superfície significa não se aprofundar nas coisas importantes da vida. Preferimos ficar na mera distração e sabemos hoje que os meios de comunicação, televisão, cinema, internet, músicas, livros, procuram nos entreter. Trata-se da famosa cultura do entretenimento. O que naturalmente na dose certa é inofensiva).
O perigo reside justamente na overdose da cultura do entretenimento, da cultura da distração, quando ela pretende ocupar todos os lugares da nossa vida espiritual, de modo que não oferece mais espaço para o encontro pessoal, para o encontro consigo mesmo (é como se ninguém mais tivesse tempo de se olhar no espelho para ver todas as suas qualidades e os seus defeitos). A overdose da cultura da distração pode atrofiar as capacidades espirituais humanas como o encontro gratuito com o outro, encontro que não obedece a nenhuma pretensão utilitarista, a profundidade do pensamento (somente dizemos que achamos –“eu acho”- sem refletirmos bem sobre as coisas), podemos perder a nossa capacidade de sonhar ao confundir completamente a vida com a distração (não me importo com o que acontece com o meu país, não vou fazer nada pela sociedade, nos isolamos porque perdemos a capacidade de uma visão crítica da realidade.
Quero dizer com isto que alimentar uma espiritualidade sadia exige esforço. Para nós que somos cristãos a espiritualidade é fundamental, pois além de vivermos a partir da fé em Jesus, procuramos não descuidar toda a criação de Deus assim como a criação humana como fontes da beleza. Porque assim como o amor somente pode vir de Deus, também a beleza que nos transporta da nossa realidade vem de Deus.
Desse modo, para um cristão, é fundamental a atitude de contemplação diante da natureza que consideramos obra de Deus, como um instante de encontro pessoal, como um momento de profundidade, de silêncio reflexivo, de introspecção, de diálogo íntimo, de sonhos, de imaginação, de desejo de melhorar a própria vida e a dos outros. Assim, a contemplação se converte num diálogo com Deus, que é o nome que damos à oração. O nascer do sol, o pôr do sol, o arco-íris, as nuvens, a chuva, as árvores, as plantas, as flores, as montanhas, o chão, a água, o rio, o mar, todos os animais etc., são convites constantes à contemplação espiritual.
Outro modo de viver a espiritualidade é deliciar-se diante das obras humanas, toda forma de beleza produzida pela humanidade. Ficar uns minutos diante de uma obra de arte, uma pintura, uma escultura, ler um poema e silenciar, ouvir uma boa música com os olhos fechados, ler um bom livro e deixar-se questionar pelas questões humanas fundamentais. Compartilhar um bolo maravilhoso preparado por umas mãos generosas, uma conversa gratuita com um amigo, uma piada boa e o sorriso, tudo pode ser momento altíssimo de espiritualidade. Perceba que estou querendo dizer que a espiritualidade passa pela vida, que muitas vezes a cultura do entretenimento e da distração dificulta a vivência desses momentos fundamentais.
Nós cristão fomos educados a desconfiar da “alegria excessiva”, da felicidade, do prazer, como se a vida tivesse que ser eternamente um “vale de lágrimas” e por isso meio que ficamos encabulados diante dos prazeres da vida. Nunca estamos totalmente à vontade diante do prazer, quase sempre devemos nos policiar como se nos perguntássemos o tempo todo se não estamos fazendo alguma coisa errada. Com certeza você se assustaria se depois de uma confissão o padre dissesse que no lugar das três Ave-Marias e três Pai-nossos, como penitência, você fosse tomar um copo de chope bem gelado. (O que será que você pensaria? Com certeza levaria um susto, pois o prazer de um cafezinho, de uma cerveja, de um copo de vinho, de um sorvete, parece que pertence a outro âmbito onde Deus quase nunca está presente).
A espiritualidade não é exclusividade do âmbito religioso, porque ela faz parte essencial da vida de cada um de nós.

*Imagens: Internet

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