Não faz muito tempo a santidade era
compreendida como uma tarefa, algo a ser feito, algo a ser realizado. De modo que
quanto mais a pessoa realizava coisas, mais ela era considerada santa. Aqui entra
a perigosa ideia do mérito, eu mereço ser santo ou santa porque eu faço tudo
direitinho, cumpro os mandamentos, dou esmola, pago o meu dízimo, faço um monte
de atividades, sou bom mesmo.
Não faz muito tempo a santidade era considerada
como renúncia ao mundo, de modo que se alguém quisesse ser santo ou santa devia
escapar do mundo, evitando todas as “suas tentações”. O mundo era visto como a “casa
do demônio” do qual o ser humano devia escapar. Nada de política, nada de
diversão, nada de prazer; se a pessoa gostava de um churrasco devia renunciar,
se gostasse de cafezinho devia renunciar, porque o mundo é fonte de pecado e de
maldade, ele é um “vale de lágrimas”.
Não faz muito tempo a santidade era compreendida
como uma renúncia a si mesmo, de modo que a pessoa santa devia deixar de ser
ela mesma. A pessoa fazia o possível ou o impossível para deixar de ser humano,
usava uma roupa pesada e triste, algo que cobrisse tudo, pois até mesmo a forma
bonita do corpo poderia ser maldade, utilizava-se a penitência, faziam sofrer o
corpo como caminho de perfeição, viviam em constante oração porque Deus gostava
muito de ser adorado durante vinte e quatro horas por dia. Algumas pessoas
chegaram a mudar até o nome para deixar de ser elas mesmas; outros mudam até a
voz porque existe até mesmo um tom adequado de voz que é divina e quanto mais sussurram
ou falam de forma chorosa mais se assemelham aos anjos.
Graças a Deus hoje compreendemos a santidade numa
perspectiva muito mais ampla; graças a Deus voltamos para a Sagrada Escritura. Recuperamos
as alegrias das bem-aventuranças, as alegrias das bodas de Canã, as alegrias do
abraço do Pai ao filho pródigo, as alegrias daqueles que são considerados
benditos e benditas do Pai porque alguém estava com fome, com sede, nu, doente,
na cadeia e foram atendidos nas suas necessidades, alguém era migrante e foi acolhido.
Vocês são benditos do meu Pai, venham receber o abraço do Pai porque você
fizeram as coisas sem jamais esperar recompensa, tanto que vocês nem sabiam que
tinham feitos tudo aquilo, porque foram gratuitos com os seus irmãos.
A santidade hoje deve ser compreendida antes
de tudo como a perfeição do Pai, “Sejam perfeitos como meu Pai do Céu”. Muitos ficam
assustados com esta proposta, pois entende que é impossível ser perfeito como o
Pai; esquecemos, porém, que fomos feitos à “imagem e semelhança dele”. A nossa
humanidade é um reflexo do Pai. Ele nos fez humanos, homem, mulher e não nos
dotou de nenhuma asa para que não tenhamos a tentação de sermos anjos; não
somos anjos, somos humanos porque Deus nos fez assim. Devemos ser perfeitos
sendo humanos. Alguns entendem erradamente e buscam imitar os anjos, isso é
imitação, a vida real passa pela nossa segunda-feira, pelo dia-a-dia. Muitos pretendem
renunciar à sua humanidade para ser perfeito como o Pai, mas a única perfeição
possível passa pela nossa humanidade.
Quanto mais humano você for, mais será
parecido com o Pai, porque você conhecerá muito bem o seu coração, conhecerá
todas as suas qualidades, todos os seus defeitos e procurará melhorar,
procurará humanizar-se sempre e o seu coração procurará ser misericordioso com
todos e saberá que a perfeição não consiste em algo matemático, mas num caminho
que começa com a dureza da segunda-feira e chega até às delícias do encontro do
domingo em família, que passa pela vida cotidiana, pelo trabalho, pelos
encontros com os outros, pela intimidade diária.
A santidade compreendida como renúncia
constante é esquizofrênica porque se trata de uma batalha contra si mesmo,
perde-se muita energia procurando vencer tentações e deixa-se de lado a vida diária,
deixa-se de lado a humanidade. Pessoas assim podem ser cheias de boas intenções,
aparentemente são corretas, não saem da igreja, mas humanamente são falhos
porque se colocam elas mesmas como parâmetros de perfeição, todos e todas têm
que ser como elas.
A santidade saudável passa por assumir a
nossa humanidade e aqui é preciso compreender muito bem para não cairmos em
equívocos. A humanidade não significa condescendência como os equívocos, com os
erros, com os pecados, com os nossos defeitos. Não significa aceitar tudo em
nome da humanidade. Ninguém deveria dizer, por exemplo, que devemos aceitar os seus
equívocos, os seus pecados em nome da humanidade, não se trata de uma desculpa.
“Sou humano mesmo, então posso me enganar, posso pecar, posso ser limitado”. Não!,
aceitar a nossa humanidade é trabalhar para que apareça o melhor de nós, é
fazer a nossa parte para que a “imagem e semelhança de Deus” não se apague, não
se torne uma marca escura e triste.
Deus quando viu o homem e a mulher gostou
muito do que fez. Mas todos nós costumamos esquecer o brilho dessa imagem
divina em nós e vamos trilhando caminhos que nos afastam dessa imagem. A desumanização
consiste justamente nesta tristeza empobrecedora da nossa humanidade. Fomos feito
para a alegria, mas somos tristes, fomos feitos para o amor, mas não temos
tempo para ele, fomos feitos para viver com os outros, mas preferimos o
isolamento, fomos feitos para a compaixão, mas somos cruéis, fomos feitos para
acolher, mas julgamos as pessoas pela sua cor e pior, ainda achamos que a nossa
cor seja muito melhor.
A santidade passa pela humanidade, quanto
mais humano, mais divino, pois sendo totalmente humano estaremos assumindo a
imagem de Deus em nós, o seu espírito que nos dá vida; a santidade autêntica
passa pela nossa frágil humanidade. Se Deus quisesse anjos não teria feito o
que fez, pessoas, homens e mulheres maravilhosos, generosos, mas ao mesmo tempo
mesquinhos e traiçoeiros. Mas foi o que Deus fez e a nossa alegria maior deve
ser aprofundar a nossa humanidade e não fugir para refugiar-nos em pseudo
espiritualidade que ensina que a santidade é renúncia à humanidade.
O mundo está se desumanizando, os cristãos
devem lembrar ao mundo o belo significado de ser humano. Devemos encher o mundo
de gestos humanos, porque cada gesto autenticamente humano é um gesto cristão. Não
estão em contradição.
Ser santo é acolher Deus em nós, é aceitar
que realmente somos imagens e semelhanças, é deixar-se conduzir, é assumir esta
beleza que significa ser filho e filha de Deus.
Aceitar o
amor gratuito de Deus é a pura santidade.
Ser santo é assumir este amor gratuito na
vida, é colocar este maravilhoso óculo de Deus e começar a enxergar o mundo com
a visão do amor. E o mundo que é a nossa casa se torna o lugar perfeito para
vivermos a nossa vida, então como um segundo passo podemos fazer as coisas.
Veja que fazer coisas vem sempre depois. O fazer deve expressar o que somos e
vivemos.
O nosso trabalho pastoral é importante, a
nossa prática é fundamental, mas não é a pastoral, nem a prática o que nos
tornam santos. Eles podem expressar o nosso amor, nada mais do que isso. Isto é
importante. Têm pessoas que acredita que são santas porque rezam, têm outras
que pensam que são santas porque praticam caridade, têm pessoas que pensam que são
santas porque fogem do mundo como se este fosse o capeta.
A pessoa deve rezar para expressar o imenso
amor do Pai, as pessoas devem praticar a caridade porque o amor do Pai as leva
a isso, algumas pessoas evitam as maldades do mundo porque sabem que nem tudo
convém ao ser humano.
A santidade não é fazer coisas (a prática vem
depois como expressão do que vivemos, veja que o que fazemos somente tem
sentido se vivemos coerentemente. Se uma pessoa pratica a caridade, dá um prato
de comida, paga o seu dízimo, visita santuários, mas é um mal educado, em
primeiro lugar deveria ser humano antes de ser santo). A santidade também é
fazer coisas, mas como expressão do que se vive. A santidade não é uma renúncia
ao mundo, devemos reconhecer que se o mundo não é um bom lugar deve-se também à
falta de compromisso cristão.
O mundo é a nossa casa, devemos lutar para
que seja um lugar melhor para todos. O cristão não pode fugir do mundo, ao
contrário, deve abraçar o mundo, pois ele é a casa comum, lugar onde os filhos
dos filhos procurarão viver em paz.
A santidade não é renunciar a si mesmo, é
assumir com misericórdia o que somos e procurar que a “Imagem do Criador” em
nós não se pague.
Quanto mais humanos, mais divinos. Com certeza,
nem você, nem eu ficaremos como uma figura de mármore sobre o altar de uma
igreja, mas se a gente procurar a fidelidade ao brilho de Deus em nós, com certeza
seremos felizes, pois seremos fieis ao seu sopro divino em nós. Isso é
santidade porque desse modo somos agradáveis a Deus. Feliz dia de todos os
santos!
* Imagens: Internet.
Belo texto,que bom seria se todos nós cristãos amássemos e agíssemos com tanta gratuidade,buscando o melhor em nós e acreditando num Pai que ama incondicionalmente.Abraços!
ResponderExcluirObrigado Alessandra pela leitura, vamos caminhando devagar. Abraço.
ExcluirMuito interessante esse texto sobre santidade. Me lembro do inicio de minha caminhada na igreja, onde me foi falado que muitas coisas que fazia era pecado..... Lembro que na época, joguei muitos cds, que tinha, fora, pois era pecado ter aquelas musicas em minha casa, como a gente muitas é ingênuo ne rsrs e não entende a grandiosidade da palavra santidade. Já pensou, se para sermos santos é só jogar cds, não assistir certo tipo de programas na tv, vestir roupas adequadas, seria tudo tão mais fácil e simples ne......Mas Deus vai além e nos mostrar que para sermos santos não precisa de muita coisa, basta ser a gente mesmo, vivendo no amor e na misericódia Dele. Abraços
ResponderExcluirOlá Marcela, obrigado pelo seu testemunho, o mundo pode ser melhor com a nossa presença, com o nosso trabalho, não precisamos fugir dele. É aqui e somente aqui que podemos ser melhores e quem sabe mais felizes com o Amor do Pai que nos mantêm. Abraço e tudo de bom.
ExcluirAmé el texto, Oscar tu supiste como utilizar las palabras, a mí me encanta una frase de San Ignacio de Loyola que dice asín " que nos es el mucho saber que alimenta y sacia el alma pero el sentir y degustar internamente todas las cosas", y él aún completa diciendo que debemos utilizar de las cosas tanto cuanto nos ayudan a dar mayor gloria a Dios. En esta línea Dios nos ama de la forma que somos y desea que seamos libres delante de las cosas, pero no privándonos de todo como si todo fuese pecado mortal, al contrario siento que debemos aprovechar de todo lo que Dios nos regala para glorificarlo. Me gusta mucho las palabras que tu utilizas al decir que "la santidad no es renunciar a si mismo, es asumir con misericordia lo que somos y procurar que la “Imagen del Criador” en nosotros no se apague". Creo que este es un gran desafío para nosotros cristianos hoy. La santidad no estar en el mucho hacer, pero en el mucho sentir y degustar de las cosas.
ResponderExcluir( Fabiana Ferreira)