A sociedade humana caminha não obstante as
suas contradições (uma das mais graves é o progresso e a destruição ambiental).
A humanidade cresceu em todos os sentidos, particularmente deu saltos de
qualidade na área da técnica (lembremos que nossos avós tinham serias
dificuldades de conservação dos alimentos, hoje têm pessoas que congelam a
comida para um mês inteiro). Na área da saúde houve avanços extraordinários. É
a tal da “evolução humana” que é visível com facilidade. Embora o coração
humano continue sendo o mesmo de sempre, com sua generosidade e mesquinharia,
suas alegrias e carências. Em poucas palavras, a humanidade caminha olhando
para frente, avança devagar, mas avança.
Na área religiosa é natural que haja
necessidade de compreendermos Deus também de forma diferente, de um modo maduro
e realista.
Deus não tem que se adequar a nós, nem às
necessidades que temos, nem ao momento que estamos vivendo. Não é porque hoje
não temos mais tempo para nada que Deus deve ser servido como um hambúrguer;
não é porque a gente tem um coração duro que Deus deva ser um Juiz; não é
porque não conseguimos amar as pessoas que Deus também deve ser visto como
Aquele que está mais preocupado com os nossos pecados. (Para muitos, Deus não
passa de um Senhor velho com um grande livro nas mãos cuidando para pegar os
nossos inúmeros erros e pecados diários).
Deus não tem que se adequar a nós, às nossas
expectativas, às nossas necessidades, Ele não pode ser utilizado como um pano
quente que pegamos toda vez que precisamos de um consolo. Toda vez que fazemos
isso instrumentalizamos Deus, fazemos dele uma ferramenta.
A humanidade vai avançando, nós vamos
evoluindo, mas Deus não precisa mudar, se mudasse como esperamos, seria como
nós, apenas mais um. O que é e será sempre necessário da nossa parte é
compreender Deus melhor. O que precisa mudar é a compreensão que temos de Deus.
A nossa compreensão sempre foi, é, e será limitada.
O que sabemos muito bem é que Deus quis vir
ao mundo e o fez através do seu Filho Jesus, o Verbo Encarnado. Ficamos sabendo
muito sobre Deus, o necessário para que a nossa vida seja melhor, mais humana e
mais alegre.
Um dia, conversando com uma pessoa que
perdera um ser querido num acidente de carro, ela disse que era incapaz de
entender o que tinha acontecido de fato. “Ainda não caiu a ficha”, revelou.
Foi exatamente isso que aconteceu com a
Encarnação. A vinda de Jesus, o Deus conosco, resultou ser algo tão
extraordinário, tão grande no seu significado, que ficamos sem compreender,
“ainda não caiu a ficha”. Nesses dois mil anos de história do cristianismo foi
uma luta compreensiva do significado do Deus conosco. Tivemos muitas
dificuldades para entender o significado profundo do Deus que se fez homem, que
nasceu de uma mulher como todos nós.
Onde está o problema?
Em Deus?
Não. O problema esteve sempre na compreensão limitada que tivemos deste Deus,
embora existissem todos os elementos necessários para compreendê-lo bem.
Os quatro evangelhos possuem informações
fundamentais para a compreensão do significado do Deus Encarnado, mas
infelizmente em muitos momentos da nossa história os deixamos de lado para dar
mais importância ao Direito Canônico (quantos padres da televisão ainda hoje preferem
falar de Doutrinas antes de falar do Deus que é Misericórdia, por exemplo). A
doutrina de uma religião é muito importante, aliás, nenhuma religião existe sem
as doutrinas, mas para a vivência religiosa, para uma espiritualidade sadia dos
fieis a doutrina não é suficiente.
Quando estamos com alguma dúvida é preferível
procurar luzes nos evangelhos do que na Doutrina. Devemos nos perguntar o que
Jesus faria e não o que a Instituição faria, o que a doutrina manda fazer.
Uma vez alguém disse uma verdade que ainda
guardo até hoje. Quando uma pessoa na rua pede alguma coisa para comer é porque
está com fome. Ela não quer ouvir um discurso bonito sobre a caridade ou sobre
a necessidade de trabalhar para conseguir o seu pão. Ela está com fome, precisa
com urgência de um pouco de pão. As pessoas que procuram Deus estão com fome e
sede de Deus, o que elas querem ouvir é como Deus as ama; como Deus não se
esqueceu jamais delas; como Deus continua sendo misericordioso com elas. Elas
não estão interessadas em saber o que é que a Igreja diz com relação a um
determinado assunto, não desejam saber qual é a doutrina da Igreja com relação
a temas polêmicos. Elas procuram um Deus cheio de compaixão que as ajude a
enfrentar a vida nos seus dia-a-dia. (A lição de moral, a explicação
doutrinária vem depois, bem depois).
Deus não precisa se adequar a nós, nem ao que
esperamos que Ele seja. O que precisamos fazer constantemente é interpretar a Encanação
a partir das luzes da realidade que vivemos (o que é que as pessoas pensam
hoje, quais são as suas necessidades, quais são os seus sonhos, quais são as
suas buscas, quais são as suas dificuldades etc.). Para fazermos isso
precisamos retornar às fontes primeiras que são os evangelhos e também à nossa
rica tradição católica de mais de dois mil anos. (A tradição merece respeito,
afinal são dois mil anos de caminhada no mundo, tempo suficiente para saber “mais
ou menos” como funciona o coração humano. Por isso que é tão estranho que
católicos tradicionais sejam capazes de mudar de religião porque na outra
religião encontrou um Deus à sua medida e ao seu gosto).
Precisamos atualizar a nossa compreensão de
Deus constantemente. Infelizmente, nesse sentido, a Igreja é lenta demais e
hoje sabemos como a mentalidade humana muda com uma velocidade extraordinária
(você se lembra quando a gente tinha medo de ir para o inferno? Pois hoje
ninguém mais fala disso, ninguém tem medo disso. Os medos mudaram, hoje as
pessoas tem pavor das coisas cotidianas como perder o emprego, ficar gordo-a,
ser abandonado-a pela-o esposa-o, mas poucos se preocupam com a morte e com o
que possa vir depois). É a mentalidade humana mudando constantemente com a
sociedade que vai mudando.
Deus não precisa mudar, somos nós que temos
que ter coragem de reinterpretar o significado do Deus conosco para que ilumine
a nossa vida hoje.
Na história do cristianismo sempre houve
mudança de perspectiva, de compreensão, houve até mesmo mudança na Doutrina. Quanto
mais a gente compreender melhor o Deus da nossa vida será melhor.
Vejamos rapidamente as grandes mudanças
compreensivas de Deus na nossa história. Após a morte de Jesus houve a novidade
da Ressurreição. As pessoas eram capazes até mesmo de entregar a vida para
testemunhar esta verdade. Ele está vivo! Ele ressuscitou! Neste primeiro
momento do cristianismo Deus foi vivido como força do Espírito Santo, a memória
recente de Jesus levava as comunidades a viver a espiritualidade como algo
cotidiano, vivo, espiritual. O Senhor está vivo, Ele nos dá força e coragem, a
nossa vida deve ser igual ao Dele. A característica principal do cristianismo
neste período foi a vivacidade do Espírito Santo. Como segundo momento surge a
compreensão de Deus não mais de modo espiritual, mas de modo intelectual. O que
caracteriza este período é Saber sobre Deus, o estudo sobre Ele (não quer dizer
que a primeira característica tenha desaparecido completamente, o que acontece
é que Deus é visto como algo a ser Entendido, compreendido através de estudos).
E ultimamente procuramos viver Deus como Alguém que se comunica dando ênfase à
revelação de Deus através do seu filho Jesus.
Espírito, Intelecto, Comunicação, foram os três
modos essenciais de compreensão de Deus. Nas próximas postagens falaremos de
cada uma destas etapas e como continuam presentes até os nossos dias.
A primeira ilustração é uma obra do pintor Fulvio Pennacchi (Igreja da Paz - São Paulo).
ResponderExcluirA segunda ilustração autor desconhecido, igreja de Minas Gerais.
Quanto mais a gente compreender melhor o Deus da nossa vida será melhor.
ResponderExcluirObrigada por mais um texto
Forte abraço meu amigo
Creio nesse Deus misericordioso, cheio de afeto e bondade que faz questão de esquecer nossas falhas e que fica feliz conosco. Que santa ousadia, quão grande evolução é se interessar de saber o que Cristo faria, é meditar e encontrar respostas na Sua Palavra.Sentiremos Deus mais próximo de nós e Ele,mesmo sendo mistério, se revelará.
ResponderExcluirGratidão querido Oscar!