terça-feira, 17 de novembro de 2015

O MAL NO MUNDO

O tema do mal sempre foi espinhoso para a teologia, pois nele também estava em jogo a imagem de um Deus bondoso. Se Deus é tão bom, se tudo o que Ele fez é bom, como pode permitir o mal no mundo?
Alguns intelectuais e artistas serviram-se desta percepção para justificar o seu ceticismo e o seu ateísmo, eles afirmaram e afirmam ainda hoje que são incapazes de acreditar num Deus que permite a morte dos inocentes.
Por outro lado, aqueles que defendem Deus, afirmaram que as questões referentes à morte dos inocentes, às injustiças, são um escândalo justamente porque existe um Deus, se Ele não existisse essas questões seriam irrelevantes. Por que é que iriamos nos preocupar, uma vez que não existe Deus? Nos preocupam justamente porque Deus existe.
As duas posições são extremistas. A primeira assegura não acreditar em Deus por que existe o mal e o segundo pretende defender Deus colocando-o mais uma vez no limite, como um “tapa-buraco”.
Para nós que somos cristãos, a resposta equilibrada e honesta a devemos procurar em Jesus Cristo.

O que vemos nas atitudes de Jesus, conforme testemunho dos evangelhos, é que Jesus encarou e enfrentou o mal desde o início da sua missão. Ele foi ao deserto e ficou quarenta dias onde teve o embate contra o mal e de onde saiu vitorioso. Mateus e Lucas falam que o mal se apresentou em forma de Diabo e Marcos fala de Satanás (Cf Mt 4, 1-11; Mc 1, 12-13; Lc 4, 1-13). O que no fundo expressa muito bem a mensagem evangélica, isto é, Jesus enfrentou-se aos poderes do mal no mundo e saiu vitorioso. As imagens do Diabo e de Satanás ajudaram a visualizar essa força real que existe no mundo e que deve ser tomada com seriedade.
Jesus tomou o mal no mundo com seriedade. Venceu o mal, mas a sua vitória não aconteceu ali nesse período de quarenta dias no deserto, mas durante toda a sua vida. (Porque se tivesse vencido o mal apenas naquele momento no deserto não teria sido torturado e morto numa cruz). O que devemos compreender aqui é que Jesus venceu o mal ao longo da sua vida.
A experiência de Jesus com o mal foi concreta, não devemos imaginar que foi uma luta com foices contra o Diabo ou contra Satanás. A luta foi contra homens, pessoas que entregaram a vida ao projeto da morte. (Tudo aquilo que produz dor, injustiça e morte faz parte do projeto do mal).
Jesus fez a experiência concreta da dor física, psíquica e social. Foi torturado, crucificado, humilhado, traído, soube que iria morrer, se sentiu abandonado pelos seus amigos e até mesmo por Deus, seu Pai (Cf. Mc 14, 32-42). Sentiu tristeza, angústia, chorou sangue. Foi implacável contra o Templo, contra aqueles que colocavam mais pesos nas costas das pessoas, defendeu os mais pobres mostrando a sua solidariedade com os injustiçados.  Jesus fez a experiência do mal. E não ficou passivo. Libertou endemoninhados, curou doentes, alimentou famintos, multiplicou pães, consolou pessoas. Na cruz, mesmo confuso, gritou: (Mc 15, 34: “Eloi, Eloi, lemá sabachtáni” “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”). O pai não respondeu naquele momento. A sua resposta foi a Ressurreição.
Afirmar hoje que o mal no mundo seja o Capeta, o Demónio ou Satanás é dar ouvidos aqueles que desejam negociar (e lucrar) com essas figuras que se tornaram “figuras debilitadas” do mal (debilitadas, pois até certos “pastores” são capazes de expulsá-los). Devemos evitar essas figuras que facilmente servem como justificativas do mal no mundo (é sempre mais fácil culpar os outros, melhor ainda se podemos culpar uma entidade capaz de nos forçara realizar o que não devemos. De modo que tira a nossa responsabilidade). Devemos deixar-nos guiar por Jesus, dar a importância na medida certa ao mal, enfrentá-lo com coragem, sem esquecer que ele foi vencido por Jesus, o que significa que o mal é vencível, que podemos sim enfrentá-lo e vencê-lo.

O mal é real mostra a sua cara na dor que produz. Também nas atrocidades cometidas nas guerras como na Síria, onde mais de 300 mil pessoas morreram, ou nos atos covardes de terrorismo. Mas o mal que mata todos os dias em nossas comunidades passa pelos poderes, pelas mãos dos senhores engravatados, que condenam com as suas corrupções milhares de pessoas à pobreza. O mal passa pela sedução de poder, de lucro, que não respeita a vida, menos ainda a natureza. (Para lucrar mais descuidam a manutenção de barragens que estouram cobrindo povoados, matando pessoas e rios, condenando milhares de pessoas ao sofrimento).
O mal existe, claro que existe, mas não o vamos encontrar voando por aí, nem “possuindo” corpos para atormentá-los; o mal é muito mais sutil, ele quer seduzir, deseja que lhe ofertemos a nossa vida, que dediquemos a nossa vida a ele. Muitos se deixaram seduzir: mentem, enganam, corrompem, lucram com a desgraça dos outros, destroem, matam, se alimentam da pobreza, se vestem de lobo, mas tiram o sangue dos pobres. O mal é real, mas não o devemos buscar nas igrejas, nem nos centros de exorcismos, nos terreiros ou nas camas das pessoas. Antes o devemos procurar em nós, em nosso coração.
A boa nova é que o mal é vencível, pois Jesus o venceu, ele o enfrentou com Amor, com fé e com esperança. Eis o caminho para enfrentá-lo. A resposta para o mal é o Amor (Jesus amou as pessoas até o fim: amou os pobres, as crianças, os marginalizados, não fez distinção, entrou nas casas de todos, de pobres e ricos, não as amou porque eram boas, as amou porque quase todas estas pessoas eram vítimas do mal no mundo, as amou porque eram empobrecidas a consequência do mal (até os ricos são empobrecidos e vítimas do desejo de lucro que cega e não permite ver os outros como pessoas, menos como irmãos).
Jesus gritou desde a cruz, mas não deixou de ter fé em seu Pai. “Que se faça a tua vontade”, disse ele após pedir, suplicando ao Pai se poderia “apartar o cálice da dor”. Para enfrentarmos o mal no mundo precisamos ter fé (o ceticismo ou o ateísmo, embora mereçam respeito, não constroem esperança, mas desolação e depressão em pessoas que não conseguem ver sequer uma luzinha no final do túnel). A fé ajuda a olhar o mundo ferido pelo mal com otimismo. Podemos lutar juntos contra o mal e podemos vencer e tornar este mundo menos doloroso. O compromisso sério com a política é um dos caminhos, existem muitos outros.

A esperança e a imaginação são fundamentais na luta contra o mal. Jesus fez a experiência do mal, mas a sua vida foi cheia de beleza, de encontros, de amizade, isto é, a vida não pode ser entregue apenas à tristeza, melancolia, pois uma atitude pessimista não ajuda em nada. Jesus tinha esperança, alegria de viver, gostava de poesia certamente, os seus ensinamentos estão cheios de poesia, falava de crianças, de flores, de pássaros. Gostava de partilhar com os amigos, os visitava, ia em festas, jantas, (até mesmo foi acusado de ser beberrão e comilão: “Veio este Homem que come e bebe, e dizem: vede que comilão e beberrão, amigo de coletores e pecadores” (Mt 11, 19).
A nossa atitude como cristão deve ser essa, de esperança e de imaginação (sonhar e acreditar que as relações entre as pessoas podem ser diferentes). Devemos ter consciência do mal no mundo (não devemos aceitá-lo jamais como algo natural), mas sem esquecer a esperança, o otimismo e o bom humor. A alegria é um antídoto contra o pessimismo, o que de modo algum é um convite à indiferença.  

*Imagens da internet.

terça-feira, 30 de junho de 2015

UMA METÁFORA



Religião e arte são duas irmãs que ora estão bem ora estão brigadas. As duas são linguagens e não têm nenhuma utilidade em si mesmas a partir de um olhar económico. A sua grandeza reside na linguagem. (Aqueles que as comercializam são meramente comerciantes).

Pessoas do nosso tempo se deixam seduzir facilmente pelos números. Algo se torna notícia quando entra em jogo números. Quanto custa um quadro de Van Gogh? Alguns chegaram a pagar mais de 140 milhões de dólares por uma tela. Até mesmo o pintor, se estivesse vivo, ficaria escandalizado e perceberia que alguma coisa está errada com o mercado. O pintor que viveu e morreu miseravelmente, com certeza não precisaria dos milhões, mas apenas o necessário para exercer a sua arte com dignidade.

A arte é uma realidade e o mercado é outra.

A religião por lidar com o espírito humano, assim como a arte, é um caminho que pretende elevar o nosso espírito a um patamar superior onde a liberdade do ser é a única meta. A religião não tem utilidade prática, mas ela é uma linguagem capaz de humanizar e libertar. A arte como linguagem faz o mesmo. Diante da beleza o espírito humano se liberta, torna-se mais leve e pode voar.

Quando a religião se torna moeda de troca, quando Deus é apresentado como um vil comerciante, a religião perde a sua beleza e volta a ser apenas expressão da nossa mesquinharia.

Comercializar o sagrado enganando as pessoas é aviltante. Por isso precisamos insistir e não esquecer que as expressões essenciais da nossa relação com Deus não podem ser compradas ou vendidas. O perdão, a misericórdia, o amor, a graça, a bênção, a salvação, são sinais dessa relação e são completamente gratuitas. Quem comercializar com estas realidades está mentindo.

Quem ouvir atentamente uma bela melodia como o de Bach (por exemplo, Cello Suites, se nunca ouviu procure ouvir) não pode deixar de sentir o seu espírito se mexer de alegria. Porque a arte tem essa peculiaridade de elevar o espírito humano.

Então aconteceu um fato que faz parte da limitação humana, a música termina, o olhar extasiado diante de um quadro se desvia, uma obra de teatro acaba, um ritual religioso conclui. Ninguém passa olhando um quadro o dia inteiro, pois perderia o seu encanto. Ninguém passa rezando durante o dia inteiro, ninguém aguentaria.

A arte como a religião são apenas linguagens. São admiráveis em si mesmas por aquilo que são capazes de produzir em nosso espírito. A arte comercial serve para ganhar dinheiro. Uma religião deturpada vende desde a bênção até mesmo uma suposta salvação.

A religião se for autêntica oferece oportunidades, mostra o caminho, acompanha, acolhe e principalmente humaniza. Anuncia o amor gratuito de Deus que é Pai e por amar tanto os seus filhos, enviou o Seu ao mundo não para morrer numa cruz, mas para anunciar o amor incondicional que Deus tem por nós (infelizmente o anúncio comprometido com a verdade o levou, primeiro à tortura e depois à morte).

Quando uma religião está mais preocupada em falar de pecado, do diabo e de condenações, ao invés de anunciar a Boa Nova do Amor do nosso Pai, com certeza é uma religião preocupada muito mais consigo mesma do que com o anúncio.

Assim como a arte, a religião é uma linguagem que deveria nos tornar seres humanos melhores. Deveria proporcionar caminhos de encontro com Deus e nos libertar. Fazer parte de uma tradição religiosa é muito belo e ser livre dentro dela é ainda melhor.

Compreender que Deus é Pai e que em primeiro lugar nos ama é uma lição que devemos aprender dentro de uma tradição, se ela não nos fala disso devemos, no mínimo, desconfiar. Assim como é lícito desconfiar da arte que tem como finalidade apenas lucrar.
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Imagens: "A noite estrelada" (Van Gogh); Procissão com velas. Fonte: Internet.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

ESPIRITUALIDADE NÃO É UMA FERRAMENTA

A espiritualidade não é uma ferramenta religiosa, ela é uma dimensão do que somos. Sou um ser espiritual. (Muitos acreditam que a razão seja como uma máquina dentro da nossa cabeça ou que a fé seja como um crivo material por onde passam tudo o que se refere a Deus. Tanto a razão como a fé não são máquinas, elas fazem parte da nossa dimensão espiritual).
Na vida existem muitos modos de viver a dimensão espiritual. Alguns a vivem a partir da fé em Deus e outros sem uma fé religiosa. Viver a espiritualidade a partir da fé não significa deixar de alimentar o espírito com todas as dádivas que Deus nos concedeu. A beleza da natureza é a primeira grande fonte da espiritualidade. A contemplação da natureza e de tudo o que é belo nos ajuda a entrar em sintonia com o nosso “eu” mais profundo (O “eu” mais profundo não significa que existiam vários “eus”, mas apenas que o “eu” de todos os dias pode estar apenas na superficialidade da vida. Viver somente na superfície significa não se aprofundar nas coisas importantes da vida. Preferimos ficar na mera distração e sabemos hoje que os meios de comunicação, televisão, cinema, internet, músicas, livros, procuram nos entreter. Trata-se da famosa cultura do entretenimento. O que naturalmente na dose certa é inofensiva).
O perigo reside justamente na overdose da cultura do entretenimento, da cultura da distração, quando ela pretende ocupar todos os lugares da nossa vida espiritual, de modo que não oferece mais espaço para o encontro pessoal, para o encontro consigo mesmo (é como se ninguém mais tivesse tempo de se olhar no espelho para ver todas as suas qualidades e os seus defeitos). A overdose da cultura da distração pode atrofiar as capacidades espirituais humanas como o encontro gratuito com o outro, encontro que não obedece a nenhuma pretensão utilitarista, a profundidade do pensamento (somente dizemos que achamos –“eu acho”- sem refletirmos bem sobre as coisas), podemos perder a nossa capacidade de sonhar ao confundir completamente a vida com a distração (não me importo com o que acontece com o meu país, não vou fazer nada pela sociedade, nos isolamos porque perdemos a capacidade de uma visão crítica da realidade.
Quero dizer com isto que alimentar uma espiritualidade sadia exige esforço. Para nós que somos cristãos a espiritualidade é fundamental, pois além de vivermos a partir da fé em Jesus, procuramos não descuidar toda a criação de Deus assim como a criação humana como fontes da beleza. Porque assim como o amor somente pode vir de Deus, também a beleza que nos transporta da nossa realidade vem de Deus.
Desse modo, para um cristão, é fundamental a atitude de contemplação diante da natureza que consideramos obra de Deus, como um instante de encontro pessoal, como um momento de profundidade, de silêncio reflexivo, de introspecção, de diálogo íntimo, de sonhos, de imaginação, de desejo de melhorar a própria vida e a dos outros. Assim, a contemplação se converte num diálogo com Deus, que é o nome que damos à oração. O nascer do sol, o pôr do sol, o arco-íris, as nuvens, a chuva, as árvores, as plantas, as flores, as montanhas, o chão, a água, o rio, o mar, todos os animais etc., são convites constantes à contemplação espiritual.
Outro modo de viver a espiritualidade é deliciar-se diante das obras humanas, toda forma de beleza produzida pela humanidade. Ficar uns minutos diante de uma obra de arte, uma pintura, uma escultura, ler um poema e silenciar, ouvir uma boa música com os olhos fechados, ler um bom livro e deixar-se questionar pelas questões humanas fundamentais. Compartilhar um bolo maravilhoso preparado por umas mãos generosas, uma conversa gratuita com um amigo, uma piada boa e o sorriso, tudo pode ser momento altíssimo de espiritualidade. Perceba que estou querendo dizer que a espiritualidade passa pela vida, que muitas vezes a cultura do entretenimento e da distração dificulta a vivência desses momentos fundamentais.
Nós cristão fomos educados a desconfiar da “alegria excessiva”, da felicidade, do prazer, como se a vida tivesse que ser eternamente um “vale de lágrimas” e por isso meio que ficamos encabulados diante dos prazeres da vida. Nunca estamos totalmente à vontade diante do prazer, quase sempre devemos nos policiar como se nos perguntássemos o tempo todo se não estamos fazendo alguma coisa errada. Com certeza você se assustaria se depois de uma confissão o padre dissesse que no lugar das três Ave-Marias e três Pai-nossos, como penitência, você fosse tomar um copo de chope bem gelado. (O que será que você pensaria? Com certeza levaria um susto, pois o prazer de um cafezinho, de uma cerveja, de um copo de vinho, de um sorvete, parece que pertence a outro âmbito onde Deus quase nunca está presente).
A espiritualidade não é exclusividade do âmbito religioso, porque ela faz parte essencial da vida de cada um de nós.

*Imagens: Internet

quinta-feira, 5 de março de 2015

A PROPÓSITO DA ESPIRITUALIDADE

Você tem uma espiritualidade? É claro que tenho, sou um ser humano!
Cada ser humano tem um modo de viver a sua espiritualidade, que nem sempre tem a ver com experiências religiosas. Acontece que nós associamos imediatamente o espiritual com o religioso, embora muitas pessoas vivam a sua espiritualidade sem acreditar em Deus.
Quem vive a sua espiritualidade dentro de uma determinada experiência religiosa como o cristianismo, com frequência comete um erro muito comum que consiste em acreditar que a espiritualidade seja algo exclusivamente religioso. Dito de outro modo, muitas vezes acreditamos que a espiritualidade seja como um instrumento (um aparelho) religioso que precisa ser carregado como se fosse uma bateria. Essa ideia é perigosa, pois pode nos levar a acreditar que a dimensão mais importante do ser humano seja a espiritual em detrimento da corporal.
Na verdade o ser humano é um todo, quando vivemos a nossa corporeidade vivemos a nossa humanidade e quando vivemos a espiritualidade vivemos a nossa humanidade, ou seja, não pode haver uma divisão como se fossem duas caixinhas.
A nossa confusão ainda é maior quando essa separação é extrema e afirmamos que a espiritualidade é a única parte boa da vida. Essa divisão (compartimentação) nos levar a perceber a vida em pequenas caixas. Umas caixas são boas e outras mais ou menos. As caixas espirituais são boas, as caixas da corporeidade mais ou menos. Rezar é bom, mas ir à balada nem tanto. Rezar é de Deus, mas um copo de vinho ou uma lata de cerveja pode ser do diabo. São confusões que as pessoas fazem ao separar essas duas realidades humanas.
Não existe ou não deveria existir tal separação. Espiritualidade e corporeidade formam uma única realidade, mas nós gostamos de separar tais realidades. Exemplo: agora vou à missa, é o tempo da espiritualidade, depois vou ao churrasco de um amigo que será o tempo da corporeidade. Eis o equívoco: tanto a missa quanto churrasco fazem parte da realidade humana e não deveria haver tal divisão.
Viver a espiritualidade como um cristão consiste naturalmente em alimentar-se da Palavra de Deus diariamente, participar da comunidade, ter algumas atividades pastorais, mas também inclui principalmente a vivência familiar, a mesa partilhada, as conversas, as risadas, o jornal na televisão, a novela, assim como o momento do trabalho, do estudo, do lazer etc.
Ninguém deveria dizer, “agora vou viver a minha espiritualidade”, porque a vida é uma só e devemos tentar viver de tal modo que não tenhamos vergonha de dizer ao Deus da nossa vida: “Neste momento Tu estás aqui”.  
(Têm muitos cristãos que preferem fazer a divisão entre a espiritualidade e a corporeidade porque desse modo podem dizer: “agora é o momento de Deus e depois posso fazer o que quero”, porque o resto do dia já não será “tempo de Deus”). Quantos cristãos que participam dos cultos, das missas, são “perfeitos” quando estão na igreja, mas depois não duvidam em enganar, mentir, roubar às pessoas. A nossa política está cheia de exemplos de “cristãos fervorosos”, que se revelam “verdadeiros malandros” na hora de administrar o que deveria ser administrado com honestidade uma vez que se trata do bem comum.
Para muitos a divisão entre espiritualidade e corporeidade convêm para justificar as suas incoerências.
Uma religiosidade saudável não pode alimentar o dualismo, as duas caixas, uma vez que o ser humano é uno. Se o meu corpo está doente eu estou doente, se o meu espírito está doente eu estou doente, aliás é um equívoco dizer “meu corpo”  e “meu espírito”, porque sou corpo e espírito ao mesmo tempo, sou uno.
A esquizofrenia consiste justamente na ideia da dualidade entre bem e mal, puro e impuro, condenação e salvação, corpo e espírito. A realidade humana engloba tudo isso, de modo que quem afirmar que é totalmente puro ou totalmente santo é um mentiroso, assim como não existe nem um ser humano que seja um caso perdido.
O segredo para uma vivência religiosa saudável reside na aceitação deste princípio básico: a vida é rica demais para ser apenas corpo ou para ser apenas espírito. A vida é muito mais do que tudo isso. Quem é cristão que procure ser um bom cristão integralmente, que procure ser humano de verdade, porque podemos negar tudo, até mesmo podemos negar que Deus existe, mas o que não podemos negar é que devemos procurar viver com dignidade a nossa humanidade.

*Fonte das imagens: internet.