Era um sabiá, fiquei sabendo depois, pois sou
incapaz de reconhecer as espécies das aves. O pássaro veio até a janela. Não fiz
nenhum movimento brusco para não assustá-lo, mas ele se assustou e voou para
dentro do quarto arremetendo contra o vidro com todas as suas forças, com
certeza o animalzinho por instinto esperava que aquele material transparente
fosse a sua saída, a sua libertação.
Bichinho que não pensa continuou na sua
tentativa, porém cada vez com menos força. Levantei bem devagar, pois não
queria interferir naquela luta titânica pela sobrevivência. Quando caiu aos
meus pés, tomei-o com cuidado e, sem saber o que fazer, ofereci-lhe um pouco de
água. Não sei se estava com sede, mas o meu instinto me levou a oferecer-lhe o
líquido vital; molhei a sua cabecinha com umas gotas de água.
Coloquei-o na janela para que pudesse voar
quando quisesse ou pudesse. Ele não esperou muito. Voou, mas imediatamente
pousou num lugar mais seguro, ficou ali na sombra um pouco atordoado após uma
experiência que para ele terá sido terrível.
Não gosto de animais domesticados, nem de
gato, nem de cachorros, mas admiro as pessoas que os têm e se esmeram por lhes
oferecer conforto. Eu os prefiro livres, pássaros na gaiola então para mim é
insuportável. Creio que muitas vezes os instrumentalizamos para que a nossa
vida não seja tão solitária. Mas essa é outra história.
A inesperada visita do pássaro me fez pensar
e me fez decidir escrever esta semana sobre o sentido da nossa fé.
Aquela vida quente em minhas mãos me fez
pensar sobre a grandeza e a miséria da nossa vida. A grandeza porque com
certeza é um milagre, a vida só pode ser um milagre, por isso desconfio muito
daqueles que dizem que ela seja fruto de um acaso. Mas cada um tem o direito de
acreditar como quiser ou como lhe fizeram crer. A vida para mim é o mais
sagrado que possa existir, é o terreno comum onde todos nos encontramos, onde
podemos nos entender com respeito, pois o resto é discutível. A cor da pele, a
cor dos olhos, a medida do calçado, o modo de se pentear, o deus ou deuses em que
você acredita, as suas preferências políticas, o time ao qual você torce; tudo
é discutível. Mas a vida não pode ser discutida, pois ela é sagrada. Entendo
pela palavra “sagrada” o que não pode ser banalizado. A vida humana é única,
por isso toda forma de violência contra ela sempre será um crime.
Por que é tão aberrante a violência contra as
crianças?
Porque trata-se de uma vida indefesa.
Os quatro evangelistas estão de acordo em que
Jesus gostava muito das crianças e que, em várias ocasiões, as colocou como
símbolo do Reino de Deus. Os professores, porém, sabem muito bem que as
crianças não são boazinhas pelo mero fato de serem crianças, elas são capazes
de atos inesperados, e com frequência costumam ser bastante cruéis com os seus
coleguinhas. Jesus não as colocou como símbolo porque sejam inocentes ou
boazinhas.
Os pequeninos são exemplo do Reino porque estão
completamente nas mãos dos adultos. Todos sabemos que é muito fácil de enganar
uma criança, os pais são especialistas em inventar caminhos engenhosos para
convencer seus filhos a fazerem o que lhes parece corretos.
O que resulta aberrante é quando esses
adultos, que deveriam cuidar, proteger, se aproveitam da fragilidade dos
pequenos. É aberrante que um adulto trate uma criança como se ela fosse uma
pessoa adulta.
As crianças confiam plenamente nos adultos,
confiam nos seus pais, nos seus irmãos mais velhos, confiam nos professores,
nas catequistas, nos médicos, nos enfermeiros, confiam nos seus tios e tias,
confiam nos vizinhos. A princípio, para elas, os adultos representam um porto
seguro.
Eis a bela imagem que Jesus propõe, se vocês
não tem essa confiança das crianças em Deus, nosso Pai, dificilmente entenderão
a dinâmica do reino de Deus.
A fé madura em Deus é a confiança das
crianças nele, ou seja, a certeza que Ele é o adulto em quem se pode confiar,
com a diferença radical de que não estamos mais diante de um adulto que pode
ser um grande egoísta, mas diante de um adulto que é um amoroso Pai.
A fé confiante em Deus significa ter certeza de
que estamos nas mãos Dele. Esta deve ser uma certeza de sentido, isto é, o que
nos dá alegria de viver, saber que todos os dias somos carregados pelo amor do
Pai. Esta certeza deve nos ajudar a sair para a vida com alegria e com
confiança.
O desafio para o homem e mulher de fé madura
é testemunhar no pequeno espaço de todos os dias este amor. Este amor que deve
ser concreto no rosto da esposa, do esposo, dos filhos, dos pais, dos jovens,
dos adultos, dos idosos. Este amor que deve ser real com os vizinhos, com os
colegas de trabalho, com as pessoas nas ruas. O amor não pode ser apenas uma
boa intenção.
Devemos procurar viver a nossa fé diariamente
com a limitação que cada um têm: um trabalho chato, uns vizinhos barulhentos e
mal educados, uns pais que não são como imaginamos, uma comunidade fofoqueira e
pouca acolhedora, pessoas que dizem ter fé, mas confiam muito mais nas suas
próprias forças.
A fé confiante deve ser real e não apenas uma
poesia que faz estremecer o nosso coração, por isso a fé passa pelo nosso “bom
dia”, pelo nosso “me desculpe”, pelo nosso bom humor, pelo nosso aprender a rir
de nós mesmos, dos nossos defeitos. (Costumo repetir que quando a gente consegue
rir dos nossos próprios defeitos, com certeza vamos nos divertir bastante).
A fé com espírito de criança, ao contrário de
ser uma fé ingênua, é uma fé madura. A fé ingênua, infantil é aquela que dá
mais importância aos enfeites da religião do que ao essencial dela. (Em uma
ocasião uma senhora ficou magoada comigo depois de me ouvir dizer que preferia Nossa
Senhora como Mãe que como Rainha. As rainhas humanas são, com frequência,
déspotas, mas a maioria absoluta das mães que conheço me fala da doçura do
rosto maternal do próprio Deus). Para a
minha fé, que Maria seja rainha ou não, não é importante, pois considero isso
apenas como um “enfeite” da religião. Amo Maria porque me aproxima do seu filho
Jesus, amo Jesus porque me mostrou o coração de Deus, o coração do Pai. Isto para mim é essencial da fé madura que tem
a característica do rosto da criança, confiante, alegre, bem humorado e,
sobretudo que é capaz de ser feliz com pouca coisa.
Vivemos um tempo de muito barulho, de muitas imagens,
de muitas palavras soltas, a fé também precisa se recolher como uma criança confiante
nos braços da mãe. A fé cresce, amadurece, sempre mais quando se torna livre
para voar como o pássaro que tem o céu como a sua casa. A fé é livre quando é
capaz de assegurar o que é essencial. O amor ao próximo, a compaixão, a busca
pela justiça e pela verdade, com certeza, são essenciais para todos os cristãos
que procuram viver a fé confiante no seu dia-a-dia.
* Imagens ilustrativas da internet.
Obrigada por mais essa reflexão
ResponderExcluirQue tenhamos uma fé madura...
Forte abraço
Abraço Maria, boa caminha na fé.
ExcluirComo precisamos nos dias de hoje dessa fé madura. Que possamos cada dia caminhar em busca dessa fé madura. Que Deus nos conduza sempre. Abraços e que Deus te ilumine com essa sabedoria
ResponderExcluirSaudações, pois é, a fé madura e livre é uma necessidade, tudo de bom.
Excluirque todos tenhamos esta fé madura esta fé confiante que nem você escreveu "" A fé confiante deve ser real e não apenas uma poesia que faz estremecer o nosso coração, por isso a fé passa pelo nosso “bom dia”, pelo nosso “me desculpe”, pelo nosso bom humor, adorei esta reflexão sobre a fé ... forte abraço Oscar
ResponderExcluirMichelle, saudações, obrigado pela leitura e tudo de bom.
ExcluirQue riqueza de esclarecimentos esse seu blog, parabéns que Deus siga te abençoando sempre e dando essa sabedoria nas palavras, no modo como são publicadas, nota-se o cuidado e dedicação que tem...Jamile
ResponderExcluirObrigado Jamile pelas suas palavras, se Deus quiser vamos continuar refletindo sobre a nossa fé. Abraço.
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