quarta-feira, 8 de outubro de 2014

UM OLHAR AO SÍNODO SOBRE A FAMÍLIA


“O sonho de Deus sempre se embate com a hipocrisia de alguns dos seus servidores. (...) Podemos ‘frustrar’ o sonho de Deus, se não nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo. (...) O Espírito dá-nos a sabedoria, que supera a ciência, para trabalharmos generosamente com verdadeira liberdade e humilde criatividade” (Palavras do Papa Francisco na abertura do Sínodo).

Nesta postagem vou fazer um parêntesis sobre o tema que estamos tratando para pensar com vocês sobre a atualidade da Igreja Católica, particularmente no que se refere ao Sínodo que está acontecendo em Roma, cujo tema é: “Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização”. Começou dia seis e vai até dia dezenove deste mês (outubro – 2014). Além da questão da família também está na pauta temas que para a Igreja são “urgentes” como a pobreza, a imigração e a questão da violência. O Sínodo concluirá com a beatificação do papa Paulo VI. 

O Sínodo começou com um sinal interessante que tem a ver com a linguagem. O Papa Francisco quis que a linguagem não seja mais o latim e sim o italiano a língua oficial do encontro. Para início de conversa isto é sensacional, pois é um sinal claro de mudança, de renovação. É sabido que o latim como língua falada desapareceu há séculos permanecendo apenas no seio da igreja, praticamente, apenas como linguagem jurídica. 

Quando era estudante questionava a mania acadêmica de criar um dialético que os intelectuais costumavam utilizar com deleite. Achava engraçado que procurassem o modo de não ser compreendido por leigos, por pessoas que não eram iniciadas nesse dialeto da academia. Criava-se, a meu ver, um segundo andar onde, as pessoas que moravam no primeiro andar não tinham acesso. 

A linguagem é fundamental, por isso creio que a decisão de adotar a língua italiana, uma língua de pessoas vivas, é revolucionária. (Naturalmente a ala tradicionalista da Igreja não vai gostar muito desta ideia. Para essas pessoas devemos lembrar sempre que o nosso Mestre falava limpidamente através de parábolas muito simples e através de poesia como as Bem-aventuranças). 

É preciso deixar claro que a Igreja não está questionando a verdade sobre o matrimônio, que  é indissolúvel. O que o Sínodo precisa ver é a realidade de pessoas que convivem num relacionamento estável, que não receberam o sacramento porque não querem, por diversos motivos, ou porque já foram casados na Igreja. O que o Sínodo precisa ver é o modo como essas pessoas podem ser melhor acolhidas na Igreja. Não se trata de afirmar que elas sejam melhores, trata-se de ver como as pastorais da Igreja, ao invés de excluir podem acolher como o próprio Jesus faria. 

Lembro que, numa conversa informal, perguntei a um amigo que vivia com uma mulher sem ter casado na igreja, por que comungava, se sabia o que a Igreja dizia com relação a esse fato. O meu amigo olhou-me e respondeu numa tranquilidade que sabia o que a Igreja dizia e que ele comungava porque Cristo Eucarístico era muito importante para ele. Fiquei quieto, não disse nada a ele, não fiz nenhum discurso moralista, pois ele sabia o que a Igreja dizia com relação às pessoas que convivia sem o sacramento do matrimônio. Eu também sabia o que Jesus disse quando lhe perguntaram sobre a sua missão, que Ele veio para os pobres, para os doentes, para aqueles que justamente precisam dele. (Não será necessário lembrar que os “justos e os perfeitos” não precisam de muita coisa, pois já estão na presença de Deus). Quem precisa de acolhida são as pessoas que quase nunca formam acolhidas. 

Nas comunidades é possível perceber que as nossas práticas pastorais quase sempre se dirigem às pessoas que fazem parte da comunidade, pessoas que vem sempre, que procuram caminhar com a comunidade. As pastorais não são pensadas para acolher pessoas que não desejam fazer parte da comunidade  porque não se sentem acolhidas ou porque sentem que não se enquadram dentro da moral cristã. 

Ainda é cedo para chegarmos a conclusões com relação ao Sínodo, porém há esperança que oficialmente o nosso papa diga como devemos tratar os irmãos e as irmãs que por ventura não deram certo no primeiro casamento e que buscaram nova chance numa segunda união. Na “prática pastoral” a acolhida deve acontecer de fato, e em muitas comunidades ela acontece quando o bispo ou o pároco a incentiva. Na acolhida não está em jogo em primeiro lugar a comunhão, mas a valorização das pessoas, da nova família, os filhos como frutos desse amor. 

Na prática pastoral o pastor deve conhecer os seus filhos e filhas. Lembro aqui o que disse um bispo num curso de formação: “eu tenho a obrigação de conhecer esses meus irmãos. Sabem o que eu fazia?,  levava a comunhão para esses casais na casas deles, porque não podia negar a comunhão para um casal que vive junto há vinte anos, que procura educar os filhos com as dificuldades que todo mundo passa. Ou será que alguém seria capaz de dizer que nessa família não existe o amor? O pastor deve conhecer os seus irmãos e irmãs e se for necessário levar o Cristo Eucarístico até as casas deles. Sabem por que fazia questão de levar a comunhão até as casas dessas pessoas? Por temor de escandalizar “os justos” da minha comunidade”, disse o velho bispo. 

Aceitar uma situação não significa estar de acordo, não significa concordar, mas como Igreja, o mínimo que podemos fazer é olhar nos olhos das pessoas e acolhê-las como irmãos e irmãs que, como nós, estão procurando viver uma vida digna na graça de Deus. 

Muitas pessoas se escandalizam porque acham que a santidade, antes de tudo, passa pela sexualidade. De modo nenhum, a santidade passa, antes de tudo, pela dignidade de sermos “imagem e semelhança de Deus”. O que torna alguém santo ou santa não é a sexualidade, mas o infinito amor de Deus Pai por cada um de nós. 

O sínodo se preocupa, evidentemente, com as avalanches que a família vêm suportando e, por isso, procurará encorajar os jovens cristãos a assumir com alegria e coragem o matrimônio como a vivência do amor que receberam do alto. E animar aqueles que já são casados a perseverar no amor, a não se deixar dominar pelo espírito do mundo que consiste no descarte (uso até que serve, se encontro algo melhor posso trocar!). Aqueles que são casados e bem casados que ajudem os jovens a ver que o amor verdadeiro não é aquele que como um terremoto deve sacudir tudo, o amor também é um terremoto sim, mas também é rotina, também é dor, doação, sacrifício, ternura, entrega, paciência. O amor verdadeiro é aquele que é provado no momento da doença, das perdas, das decepções. No mundo onde tudo e descartável, pensar que o matrimônio será para a vida toda parece longe da realidade, mas temos infinitas provas de que o amor bem cuidado pode durar sempre. 

Se por ventura, alguém se separou e encontrou um novo amor, deve saber que a Igreja ainda é a sua casa e que o elemento que deve ajudar a medir é o amor honesto. Não esqueçamos que Deus é amor, portanto onde está o amor, com certeza, Deus aí está. 

7 comentários:

  1. Esse tema é lindo e perfeito, desejo de verdade que esse blog alcance outras pessoas,em especial aquelas pessoas que parecem estar com os olhos vendados ao verdadeiro amor de Deus
    Obrigada Oscar por mais uma vez nos presentear com esses belos ensinamentos

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  2. "Quem precisa de acolhida são as pessoas que quase nunca foram acolhidas. Na acolhida não está em jogo em primeiro lugar a comunhão, mas a valorização das pessoas"...não posso comentar, é nisso que creio! Bendita sabedoria Oscar.

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  3. Que um dia as pessoas de fato possam enxergar esse amor de Deus e possam acolher com amor essas pessoas que vão a igreja justamente para viver nesse amor. As pessoaa costumam rotular muito os outros, sem ao menos conhecer a vida delas. Que Deus te ilumine e que você seja instrumento para tocar o coração de muitos. Abraço

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    1. Saudações, creio que devagarzinho vamos compreendendo que a Igreja deve ser uma mãe e deve se comportar como tal. Isso acontecerá através de cada um de nós e, principalmente, através daqueles que a dirigem e tem o poder de mudar as coisas estruturalmente. Abraço.

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