Após
uma leitura atenta das passagens do Gênesis (Gn 2, 16-17. 3, 1-24) percebemos a
proibição de comer de uma certa árvore que estava no jardim, cuja desobediência
poderia levar à morte. Depois entra em cena a serpente que convence Eva a comer
do fruto e a oferecer ao seu companheiro que também o experimentou. Deus que estava
passeando pelo jardim chama e descobre que os dois comeram do fruto e foram
expulsos desse paraíso com as maldições que receberam. Deus faz umas roupas
para eles e os convida a abandonar esse lugar perfeito.
Esta
passagem está na base do que conhecemos como pecado original, que pode ser
sintetizada na desobediência dos primeiros seres humanos. Como dizemos, no
passado, estas passagens foram lidas e interpretadas ao pé da letra como se
Adão e Eva fossem mesmo personagens históricos. Ficamos sabendo que são
narrativas, personagens fictícios que serviram para explicar uma verdade de
origem.
Esta
narrativa terá sido contada por algum sábio judeu ao redor do fogo, procurando
explicar a realidade da sua época. Por que é que sofremos neste deserto, na
intempérie da vida? Por
que é que devemos trabalhar tanto e não nasce nada nesta terra árida?, por que é que a nossas mulheres
gritam de dor no momento de dar à luz e até mesmo algumas chegam a morrer no
parto? Diante dessas e outras perguntas,
alguém da comunidade, um sábio, provavelmente, um homem inspirado por Deus, deve
ter narrado essa historia que chegou até nós. A causa dos nossos sofrimentos
deve-se ao pecado dos nossos primeiros pais. Eles viveram num lugar maravilhoso
(paraíso, um jardim), mas foram maus, desobedeceram às leis do Senhor e todos
nós estamos pagando as consequências.
Mas
como aconteceu isso?
Deus
tinha criado tudo, criou o homem e a mulher e os colocou como jardineiros e lhes
proibiu que comessem de certa árvore, mas chegou uma serpente que convenceu a
mulher e ela comeu e deu ao seu marido, que também comeu e Deus os expulsou do
paraíso. Esta história narrada oralmente, repetida tantas vezes, enriquecida,
procura compreender a realidade desse povo do deserto, a realidade dura de dor,
da terra seca, da falta de água, de um lugar digno onde morar. Naquele tempo
explicava bem a situação do povo. “Sofremos porque nossos pais foram infiéis”,
uma resposta que com certeza era suficiente para aquela época.
Essa
verdade chegou até nós, cristãos, e esteve na base da nossa fé. Aquele “pecado”
cometido pelos nossos primeiros pais chegou até nós e foi preciso que viesse o
Filho de Deus para curar as nossas enfermidades, para nos lavar dessa mancha
eterna. Então, você pode perguntar, mas como se essa narrativa é alegórica, por
que o Filho de Deus tinha que vir para nos salvar? Qual é ou qual foi esse “pecado” tão grave que exigiu que
Deus mesmo viesse do Céu para nos salvar?
Essa
pergunta é lícita, outros até mesmo perguntaram, indo mais longe, que se, Adão e
Eva são umas figuras literárias, será que Jesus Cristo também não seria apenas
uma figura literária? (Percebe-se deste modo a gravidade
de pretender fundamentar a vinda de Jesus em uma alegoria linguística).
Naturalmente a pergunta está mal formulada, pois a questão não é Jesus,
mas ter colocado como motivo da sua vinda ao mundo o perdão dos pecados, entre
eles o pecado original. Mas então, você poderá dizer, se Jesus não veio como um
tira-manchas (antigamente se dizia que cada criança que nasce vem com a “mancha”
do pecado original), veio por quê e para que? E chegamos deste modo ao coração da nossa preocupação, isto
é, a necessidade da releitura, da ressignificação – a minha resposta rápida,
que vamos aprofundar depois, seria aquela dada pelo Concílio Vaticano II: Jesus
veio ao mundo porque nos ama! O seu amor é englobante, inclui também o perdão;
sem dúvida o amor é um motivo suficiente! (O motivo da vinda de Jesus ao mundo
não foi apenas para tirar uma mancha que herdamos, mas Ele veio para nos
mostrar com as suas palavras e a sua vida como é o nosso Pai. É como se
quisesse nos dizer com a sua vinda que devemos procurar viver melhor, procurar
o que nos faz bem, o que nos torna dignos e dignas filhos e filhas de Deus).
A
leitura literal da Bíblia levou a consequências muito sérias como a “culpa
maior” dada à mulher pela desgraça recebida como castigo da expulsão do paraíso;
também a percepção negativa do mundo como um “vale de lágrimas” do qual devemos
escapar; a horrível concepção de que a hereditariedade do mal passa de pais
para filhos (será que não seria melhor dizer que a herança que todos os pais
desejam passar para os seus filhos é o amor e não a maldade de uma marca?); também ficamos com uma visão
negativa da sexualidade, vista por muito tempo como fonte de concupiscência, de
maldade, de tentação etc.
Mas o
que todos estamos nos perguntando naturalmente é sobre como fica o famoso pecado
original.
Pois
bem, a Igreja Católica ficou em paz com essa questão durante toda a Idade
Média, mas chegada a Modernidade as questões já não podiam ser evitadas. E a
melhor resposta que ela deu até agora foi com o Concílio Vaticano II.
Para
chegarmos até este Concílio vamos ter que fazer um longo percurso. Comecemos pela
própria Sagrada Escritura. Sabemos que o Primeiro Testamento não é nosso; ele não
é cristão, ele pertence totalmente ao povo judeu, embora nós, cristãos, o tenhamos
tomado emprestado, fizemos dele também o nosso livro sagrado. O que fizemos foi
ler esse maravilhoso livro com a luz de Jesus Cristo.
Todas
as verdades contidas no Primeiro Testamento, as interpretamos a partir da Boa
Nova, do Emanuel, do Deus-conosco. Por exemplo, a interpretação feita pelos judeus
da expulsão do paraíso é diferente da nossa, eles não a entendem como uma
herança que todo ser humano deve carregar ao longo da sua história. Para o judaísmo
o pecado é um ato de liberdade, não uma
herança.
Quero
dizer com isto que o pecado original foi uma interpretação exclusiva do cristianismo
das primeiras páginas do livro do Gênesis. O primeiro a fazê-lo foi o apóstolo
Paulo. “Pelo velho Adão entrou o pecado no mundo e pelo novo Adão nos chegou a
cura”. Podemos ver com clareza que a inteção de São Paulo não é falar de Adão,
mas de apresentar coerentemente Jesus Cristo como aquele que é capaz de curar,
purificar, limpar de todo pecado. Infelizmente a interpretação literal levou a consequências
que já falamos acima.
* A segunda imagem pertence ao artista brasileiro Cláudio Souza.
Olá querido amigo!!!
ResponderExcluirGostei muito desse tema e rogo a Deus que continue a compartilhar conosco esses ensinamentos
Que Deus te ilumine e te dê muita sabedoria
Forte abraço
Obrigado Maria pela companhia.
ResponderExcluirAbrazo.
Olá, gosto muito desse blog. Que Deus continue te abençoando com essa sabedoria. Abraço
ResponderExcluirObrigado pela companhia e que bom que gosta do blog. Abraço.
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