O
cristão não pode ter medo da ciência, não deveria vê-la como ameaça para a sua
fé, não pode mais deixar passar a oportunidade de aprender e de crescer como ser
humano com as ciências. Essa foi a mensagem da Igreja quando afirmou em 1950
que a evolução é plausível, aceitável como hipótese; o Papa Pio XII publicou
uma Encíclica chamada Humani Generis,
na qual incentiva os católicos a pesquisar; depois em 1992 o Papa João Paulo II
ratificou esta visão um pouco mais aberta com relação à ciência. O que ninguém
deve confundir com isto é a fé cristã que afirma que Deus é o Senhor da Vida,
esta é a fé que nos vem desde o testemunho bíblico do Primeiro Testamento.
A Igreja,
nas últimas décadas, incentivou a não ter preconceitos em relação à ciência,
uma atitude digna, naturalmente; uma atitude de abertura para o diálogo. Isto significa
um passo importante, porém demoramos demais, pois sempre nos julgamos como donos
da verdade absoluta e ensinamos as pessoas a desconfiar da ciência como aquela
que vai destruir o mundo e a fé. Ultimamente percebemos que vamos caminhando
para a mesma direção, que seria melhor unir os esforços para tentarmos compreender
um pouco mais o enigma humano, do que ficar eternamente num enfrentamento
estéril. Parece que a Igreja Católica aprendeu finalmente a olhar a ciência com
respeito e a vê-la como parceira. Isto é um belo sinal de maturidade.
Do
lado da ciência o preconceito não foi diferente. A religião foi vista como um “antro
de ignorância”, de obscurantismo, de atraso, que teria levado milhares de
pessoas à morte. Este preconceito tem a sua raiz na filosofia, com aqueles
pensadores que afirmaram que não iam mais aceitar como verdade o que não fosse
evidente, para isso inventaram um “aparelho”, a razão como se fosse instrumento
que pudesse pesar, medir, classificar, evidenciar a verdade. Simplificando ao
máximo o que estou dizendo, esses pensadores começaram a aceitar como verdade
somente o que poderia ser demonstrado pela razão. Em outras palavras, tudo o
que pudesse ser medido pela razão, o que passasse pela sua triagem, poderia ser
considerada verdade. E, consequentemente, tudo o que não passar por esse
“instrumento” deveria ser visto como “mentira” ou, no mínimo como “suspeito de
falsidade”. Desse modo, a fé, a religião, a teologia, foram vistas com
desconfiança, e os mais radicais as classificaram como “conversa fiada”.
Percebemos,
deste modo, que tanto a religião como a ciência, têm os seus preconceitos. A
religião não pode ser tão arrogante para pretender ser a dona da verdade; mas
também a ciência não pode ser tão arrogante para dizer que apenas os seus
métodos serão capazes de explicar tudo. A religião não pode ser extremista e
descartar os outros saberes, pois fatalmente estaria se empobrecendo; a ciência
também não pode pretender jogar no lixo saberes milenares, realidades humanas
que são importantes, apenas porque não se enquadram no padrão dos seus métodos.
Uma religião sem a razão, pode se tornar uma religião irracional e uma ciência
sem as riquezas humanas pode pretender se endeusar.
As
consequências destas atitudes na história não podem ser ignoradas, bastará dar
uma olhada honesta e aceitar que tanto as religiões como as ciências
colaboraram para que a humanidade progredisse, mas ao mesmo tempo, foram
utilizadas ideologicamente levando ao mal-uso das mesmas, cujos resultados
foram máquinas de extermínios, campos de concentração, bombas atômicas etc.
etc., do lado da ciência; culturas dizimadas, caças às bruxas, cruzadas em nome
de Deus etc. etc., em nome das religiões. Mas, ao mesmo tempo, as religiões
foram oásis de alegria e de esperança, sentido de vida, motivos para ver os
outros como irmãos, razão para seguir na luta pela justiça, pelo bem, a certeza
de que a misericórdia é mais forte do que o mal e do que o ódio. Assim como as
ciências que propiciaram uma vida mais confortável a través da saúde e da
medicina, tornaram o mundo menor pelos meios de transportes e de comunicações,
todas as maravilhas que usufruímos diariamente são produtos da inventiva
humana, da capacidade de produzir e propiciar uma vida melhor para todos.
Todas
as religiões surgiram a partir de uma experiência extraordinária com Deus e se
apresentaram como caminhos para o crescimento para esta humanidade que está à
caminho. O judaísmo nasceu no deserto, a partir da consciência e percepção da
existência de um Deus que era Libertador, que tirou o seu povo da escravidão,
cuja celebração é a páscoa, a passagem do cativeiro para a libertação. Mas esta
religião também serviu para oprimir os povos vizinhos, para matar e expulsar pessoas
da sua terra (veja que essa religião tão bonita tornou-se instrumento de maldade
nas mãos daqueles que a utilizaram erradamente). O cristianismo surgiu a partir
da experiência concreta de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que foi assassinado e
ressuscitou, cujo ensinamento consistia no amor ao próximo, na prática da
justiça e na misericórdia. Mas esta religião foi deturpada e utilizada para
oprimir os povos (“todos aqueles que não se batizam irão para o inferno!”), o
batismo ou a espada, o que você prefere? O batismo naturalmente! (Veja que esta religião tão bonita
tornou-se instrumento de maldade nas mãos daqueles que a utilizaram
erradamente). O islã nasceu da experiência de um homem, o profeta, Maomé, que
recebeu de Deus Alá as instruções para uma vida limpa e honesta de amor e de
misericórdia, mas foi deturpada pelos homens que a utilizaram para invadir
povos, assassinar, fazer guerra em nome de Alá. (Veja que essa religião tão
bonita tornou-se instrumento de maldade nas mãos daqueles que a utilizaram
erradamente).
É
possível afirmar, deste modo, que as religiões nasceram boas, mas quando são
instrumentalizadas negam os seus princípios fundamentais. Não cabem dúvidas de
que essa incoerência foi e segue sendo um dos motivos de desconfiança das
pessoas com relação às religiões. Elas deveriam ser testemunhas do amor de Deus
pelas suas criaturas, mas testemunham divisões, ódios, mentiras, manipulações.
Permanecendo
dentro da nossa cozinha, isto é, dentro do cristianismo podemos perceber muitas
incoerências por parte dos homens religiosos, não apenas no mundo católico, mas
em todas as denominações cristãs que se multiplicaram como cogumelos, cada um
oferecendo Deus como se fosse mercadoria, quem pagar mais, leva. Uma verdadeira
pena, um contratestemunho do Deus que antes de tudo é Amor, Justiça e
Misericórdia.
(Continuaremos
na próxima postagem)
* A segunda imagem "Sacrifício de Isaac" é de Caravaggio.
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