quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O SER HUMANO (III)

O cristão não pode ter medo da ciência, não deveria vê-la como ameaça para a sua fé, não pode mais deixar passar a oportunidade de aprender e de crescer como ser humano com as ciências. Essa foi a mensagem da Igreja quando afirmou em 1950 que a evolução é plausível, aceitável como hipótese; o Papa Pio XII publicou uma Encíclica chamada Humani Generis, na qual incentiva os católicos a pesquisar; depois em 1992 o Papa João Paulo II ratificou esta visão um pouco mais aberta com relação à ciência. O que ninguém deve confundir com isto é a fé cristã que afirma que Deus é o Senhor da Vida, esta é a fé que nos vem desde o testemunho bíblico do Primeiro Testamento.

A Igreja, nas últimas décadas, incentivou a não ter preconceitos em relação à ciência, uma atitude digna, naturalmente; uma atitude de abertura para o diálogo. Isto significa um passo importante, porém demoramos demais, pois sempre nos julgamos como donos da verdade absoluta e ensinamos as pessoas a desconfiar da ciência como aquela que vai destruir o mundo e a fé. Ultimamente percebemos que vamos caminhando para a mesma direção, que seria melhor unir os esforços para tentarmos compreender um pouco mais o enigma humano, do que ficar eternamente num enfrentamento estéril. Parece que a Igreja Católica aprendeu finalmente a olhar a ciência com respeito e a vê-la como parceira. Isto é um belo sinal de maturidade.

Do lado da ciência o preconceito não foi diferente. A religião foi vista como um “antro de ignorância”, de obscurantismo, de atraso, que teria levado milhares de pessoas à morte. Este preconceito tem a sua raiz na filosofia, com aqueles pensadores que afirmaram que não iam mais aceitar como verdade o que não fosse evidente, para isso inventaram um “aparelho”, a razão como se fosse instrumento que pudesse pesar, medir, classificar, evidenciar a verdade. Simplificando ao máximo o que estou dizendo, esses pensadores começaram a aceitar como verdade somente o que poderia ser demonstrado pela razão. Em outras palavras, tudo o que pudesse ser medido pela razão, o que passasse pela sua triagem, poderia ser considerada verdade. E, consequentemente, tudo o que não passar por esse “instrumento” deveria ser visto como “mentira” ou, no mínimo como “suspeito de falsidade”. Desse modo, a fé, a religião, a teologia, foram vistas com desconfiança, e os mais radicais as classificaram como “conversa fiada”.

Percebemos, deste modo, que tanto a religião como a ciência, têm os seus preconceitos. A religião não pode ser tão arrogante para pretender ser a dona da verdade; mas também a ciência não pode ser tão arrogante para dizer que apenas os seus métodos serão capazes de explicar tudo. A religião não pode ser extremista e descartar os outros saberes, pois fatalmente estaria se empobrecendo; a ciência também não pode pretender jogar no lixo saberes milenares, realidades humanas que são importantes, apenas porque não se enquadram no padrão dos seus métodos. Uma religião sem a razão, pode se tornar uma religião irracional e uma ciência sem as riquezas humanas pode pretender se endeusar.

As consequências destas atitudes na história não podem ser ignoradas, bastará dar uma olhada honesta e aceitar que tanto as religiões como as ciências colaboraram para que a humanidade progredisse, mas ao mesmo tempo, foram utilizadas ideologicamente levando ao mal-uso das mesmas, cujos resultados foram máquinas de extermínios, campos de concentração, bombas atômicas etc. etc., do lado da ciência; culturas dizimadas, caças às bruxas, cruzadas em nome de Deus etc. etc., em nome das religiões. Mas, ao mesmo tempo, as religiões foram oásis de alegria e de esperança, sentido de vida, motivos para ver os outros como irmãos, razão para seguir na luta pela justiça, pelo bem, a certeza de que a misericórdia é mais forte do que o mal e do que o ódio. Assim como as ciências que propiciaram uma vida mais confortável a través da saúde e da medicina, tornaram o mundo menor pelos meios de transportes e de comunicações, todas as maravilhas que usufruímos diariamente são produtos da inventiva humana, da capacidade de produzir e propiciar uma vida melhor para todos.

Todas as religiões surgiram a partir de uma experiência extraordinária com Deus e se apresentaram como caminhos para o crescimento para esta humanidade que está à caminho. O judaísmo nasceu no deserto, a partir da consciência e percepção da existência de um Deus que era Libertador, que tirou o seu povo da escravidão, cuja celebração é a páscoa, a passagem do cativeiro para a libertação. Mas esta religião também serviu para oprimir os povos vizinhos, para matar e expulsar pessoas da sua terra (veja que essa religião tão bonita tornou-se instrumento de maldade nas mãos daqueles que a utilizaram erradamente). O cristianismo surgiu a partir da experiência concreta de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que foi assassinado e ressuscitou, cujo ensinamento consistia no amor ao próximo, na prática da justiça e na misericórdia. Mas esta religião foi deturpada e utilizada para oprimir os povos (“todos aqueles que não se batizam irão para o inferno!”), o batismo ou a espada, o que você prefere? O batismo naturalmente! (Veja que esta religião tão bonita tornou-se instrumento de maldade nas mãos daqueles que a utilizaram erradamente). O islã nasceu da experiência de um homem, o profeta, Maomé, que recebeu de Deus Alá as instruções para uma vida limpa e honesta de amor e de misericórdia, mas foi deturpada pelos homens que a utilizaram para invadir povos, assassinar, fazer guerra em nome de Alá. (Veja que essa religião tão bonita tornou-se instrumento de maldade nas mãos daqueles que a utilizaram erradamente).

É possível afirmar, deste modo, que as religiões nasceram boas, mas quando são instrumentalizadas negam os seus princípios fundamentais. Não cabem dúvidas de que essa incoerência foi e segue sendo um dos motivos de desconfiança das pessoas com relação às religiões. Elas deveriam ser testemunhas do amor de Deus pelas suas criaturas, mas testemunham divisões, ódios, mentiras, manipulações.

Permanecendo dentro da nossa cozinha, isto é, dentro do cristianismo podemos perceber muitas incoerências por parte dos homens religiosos, não apenas no mundo católico, mas em todas as denominações cristãs que se multiplicaram como cogumelos, cada um oferecendo Deus como se fosse mercadoria, quem pagar mais, leva. Uma verdadeira pena, um contratestemunho do Deus que antes de tudo é Amor, Justiça e Misericórdia.

(Continuaremos na próxima postagem)

* A segunda imagem "Sacrifício de Isaac" é de Caravaggio. 

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