terça-feira, 23 de setembro de 2014

PECADO ORIGINAL (Continuação)

O conceito de pecado original é fundamentalmente cristão, nem no judaísmo e nem no islamismo se encontra esta concepção. A ideia é essencialmente paulina; São Paulo viu na interpretação dos primeiros capítulos do livro do Gênesis a possibilidade de apresentar ao mundo o “novo Adão”, isto é, Jesus Cristo. O que significa que o pecado original seria como um instrumento (um meio), mas infelizmente converteu-se no centro do cristianismo (aqui está a gravidade e a importância do tema). Simplificando sempre ao extremo podemos afirmar que Jesus Cristo falou de Amor e os cristãos falaram de Pecado. Claro que isso desembocou, mais tarde, em ideias muito mais radicais e perigosas (como exemplo podemos dizer que, antes do Concílio Vaticano II, houve teólogos cristãos que pensaram que as criancinhas que morressem sem batismo poderiam ser condenadas eternamente ao inferno. A ideia que está por trás é justamente a do pecado original que somente poderia ser limpa com a água do batismo. Não faz muito, na igreja Católica, um sacerdote famoso começou a batizar a memória de crianças falecidas sem o batismo, apenas para dizer que em muitos casos, mesmo com o Concílio Vaticano II, ainda não conseguimos reinterpretar as verdades de Cristo).

Apenas para esclarecer: a nossa intenção aqui não é, de modo nenhum, criticar gratuitamente ninguém, porém não podemos perder de vista a intenção deste blog, que é a formação dos leigos comprometidos, não podemos ir adiante se não falarmos claramente como pessoas adultas com a tranquilidade de quem faz as coisas porque ama e acredita na proposta de vida nova de Jesus Cristo.

Espero que tenham percebido a importância de vermos a base da nossa fé e a necessidade que temos de reinterpretar essa base com a luz da renovação da teologia e do Concílio Vaticano II.

Para muitos catequistas o tema do pecado original continua sendo espinhoso. Ficam encabulados na hora de falar sobre ele e para não errar repetem a mesma catequese que receberam. (O que é o pecado original? É o pecado dos nossos primeiros pais que consiste na desobediência a Deus que vem passando de geração a geração como uma herança e que pode ser limpo apenas por meio de Jesus Cristo). Só que esta resposta já não funciona como já dissemos antes, pois a crítica literária nos mostrou que os primeiros capítulos do Gênesis utilizam uma linguagem figurada. E verdades tão importantes não podem ser fundamentadas sobre linguagem figurada. Pois bem, chegamos até aqui.

Vamos dar um passo. Os judeus quando narram essa passagem da desobediência de Adão e Eva, a história da maçã e a expulsão do paraíso, têm outra intenção, mais do que explicar a condição hereditária do pecado humano. Não querem dizer que foi por Adão e Eva que entrou o pecado no mundo e que por isso fomos manchados eternamente com esse pecado inicial.

A intenção dos judeus é compreender uma situação concreta. Segundo os estudiosos, o povo que saiu do Egito encontrava-se no deserto, procurando sobreviver a tudo o que significa viver na condição do deserto, onde faltava tudo, desde alimentação, água, moradia decente etc. Para piorar a situação ocorreram situações que abalaram a comunidade. Quais seriam essas situações? Brigas, desentendimentos, fofocas, falta de perseverança na fé. Filhos que brigam com os pais, pais que brigam com os seus filhos, esposos que desrespeitam as suas mulheres, esposas que fazem o mesmo (podemos imaginar situações que acontecem ainda hoje numa comunidade para compreendermos melhor o que o povo judeu vivia).

Em síntese: a comunidade estaria vivenciando uma situação delicada de conflito e por isso era preciso encontrar uma explicação.

Para procurar compreender a situação, os sábios da comunidade reúnem o povo para instruí-lo, para orientá-lo e ajuda-lo a retomar o caminho normal da vida em comunidade. De modo que os sábios começaram a narrar a história de Adão e Eva iniciando pela criação do “lugar perfeito”, um jardim, denominado paraíso, onde tudo estava ao alcance das mãos sem necessidade de esforço algum. Mas tudo mudou quando eles decidiram desobedecer a Deus a partir do convite feito por uma serpente. Foram expulsos do jardim e tiveram que enfrentar todo tipo de maldade.

Os sábios tentaram responder a esta pergunta: porque a nossa comunidade está mal? A resposta teria sido: estamos mal porque somos desobedientes a Deus. Porque nos deixamos seduzir por outros convites e não por Deus que nos tirou da escravidão do Egito. Os sábios narram a história da expulsão do paraíso, do pecado de Adão e Eva a fim de convencer o povo a voltar à fidelidade.

(Aqui começa outro tema que vamos ver mais adiante, o tema do mal no mundo. A comunidade judaica com certeza estava se perguntando como o mal tinha entrado na comunidade, pois era possível ver as suas consequências claras nos pais e filhos em brigas, nas fofocas, nas falsidades, nas incoerências, na falta de empenho pela fé etc.).

Quero deixar claro deste modo que os judeus não tinham a intenção de explicar o pecado original como uma realidade dos pais a partir da  qual fomos fatalmente condenados eternamente.

Os judeus tinham uma situação de vida, tinham problemas concretos e tentaram iluminar a situação procurando respostas na relação com Deus. Concluíram que havia maldade na comunidade porque muitos eram infiéis a Deus. Para os sábios, para os dirigentes da comunidade judaica, a situação era clara. “Estamos assim porque somos infiéis, porque somos desobedientes. O que é que vamos fazer se quisermos retomar o caminho? Voltar à fidelidade, procurar recompor o que foi quebrado”.

O bem-estar somente retornará à comunidade se o povo voltar à fidelidade. (Vejam que a narrativa de Adão e Eva teve uma utilidade muito concreta e não havia, de modo nenhum, a pretensão de explicar uma suposta hereditariedade do pecado. Essa interpretação é de São Paulo que chegou até nós).

O que os sábios fizeram narrando a história de Adão e Eva foi identificar uma realidade humana. Essa sim é uma realidade universal da qual nenhum homem e nenhuma mulher pode escapar: a capacidade de fazer o mal e a liberdade de optar pelo caminho do bem e/ou pelo caminho do mal. Essa verdade humana ninguém, que tenha bom senso, poderá negar. Somos todos marcados por tal capacidade e por tal possibilidade de opção. Por isso o pecado original deve ser reinterpretado hoje à luz de Jesus Cristo e do Concílio Vaticano II.


* As duas figuras ilustrativas são de Michelangelo. Cenas que ilustran a Capela Sistina.

5 comentários:

  1. Obrigada Pe Oscar! muito bom! Roseni

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  2. Perfecto!!!
    no más herederos del pecado sino pecadores en primera persona (la cosa cambia totalmente)
    Felicitaciones Oscar
    ... estamos en plena sintonia. Beso afectuoso

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  3. Saludos Diana, gracias por la lectura y la sintonía. Estoy procurando colocar las bases para para una reflexión posterior a la luz del Concilio Vaticano II. Abrazo.

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  4. Crer na hereditariedade do pecado leva o homem a se esquivar de sua responsabilidade diante do mau presente na sociedade. Grata Oscar!

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