Nas
reflexões anteriores percebemos que o cristão de fé não pode abrir mão da
contribuição da ciência. A fé cristã assegura que o ser humano é obra da ação
amorosa de Deus e espera que a ciência possa aprofundar as suas buscas para
compreendermos ainda melhor o que somos. Eis, por tanto, a primeira base da fé
cristã: o ser humano é obra do amor de Deus. Esta é uma base angular para
compreendermos a nossa fé. Percebemos também que a teologia se viu na
necessidade de reformular as conclusões tiradas dos primeiros capítulos do
livro do Gênesis, uma vez que elas têm uma linguagem figurada e verdades de fé
tão importantes como o pecado original não podem se fundamentar sobre linguagem
figurada (para compreender melhor isto será preciso rever as postagens
anteriores).
A
percepção de que o Primeiro Testamento serviu-se, em grande parte da linguagem
figurada, levou a teologia a uma crise profunda e à necessidade de releitura,
de ressignificação. Podemos dizer, simplificando sempre, que os Concílios
modernos foram tentativas de releituras e ressignificações.
Para
compreendermos a questão vou exemplificar, de um modo bem simples, correndo o
risco de ser superficial. A catequese católica funcionou de um modo maravilhoso
durante séculos, seguindo um esquema simplificado e por isso muito claro. Eis o
esquema: o ser humano pecou, foi desobediente, por isso foi castigado, expulso
do paraíso, carregando a culpa, que vai passando de geração a geração através dos filhos, vivendo eternamente no
vale de lágrimas, que é o mundo, lugar de maldade e de sofrimento. Sendo esta a
problemática da condição humana, como solucioná-la? Apresentando alguém que é capaz de
lavar, de limpar, de purificar: o Salvador, Jesus Cristo. Pronto!, temos o problema
e a solução. Como funcionou isso na prática? Com um processo muito claro e simples que começava com o
batismo das crianças, que significava lavar do pecado, da mancha original;
depois seguindo umas indicações que assegurariam ao ser humano chegar limpinho
ao paraíso perdido. Todos os sacramentos foram colocados com essa finalidade,
confissão, primeira comunhão, crisma etc., tinham a finalidade de mostrar o
caminho do bem e da salvação.
Então
vem alguém (a crítica literária, por exemplo) e fala para nós que essas verdades caíram porque a mesa onde estavam
depositadas ruiu, em outras palavras, esse esquema tradicional sofreu um golpe
terrível, pois os estudiosos nos informaram que as bases dessas verdades foram
colocadas sobre frágeis linguagens figuradas. Literalmente a mesa caiu! Muitos
diziam que era o fim da religião, que nada, precisamos reconstruir a mesa,
então mãos às obras!
Devemos
dizer que esse esquema utilizado pela Igreja por séculos: pecado, culpa =
salvador, solução, serviu como catequese, foi útil e ajudou muita gente a viver
uma vida tranquila, confiante, bastava seguir tudo direitinho, a consciência
ficava em paz e a vida ganhava sentido, não precisavam de mais nada. Hoje as
necessidades são muitas, e esse esquema não nos serve mais. (O Concílio
Vaticano II que aconteceu em 1962-1965 foi claramente uma tentativa de
responder a essas questões, o Concílio buscou responder ao mundo moderno,
buscou reler as verdades de fé, abrindo caminho para que a teologia procurasse
aprofundar e apresentar ao mundo cristão uma catequese conforme a sua
maturidade).
Não se
trata de culpar a Igreja e dizer, por exemplo, “onde é que já se viu a Igreja
enganando as pessoas”; não, isso seria injusto com a Igreja, Ela era uma
instituição do seu tempo, tinha as carências do seu tempo, as pessoas não
sabiam ler, a maioria jamais vira a Sagrada Escritura na sua vida, e aquela
catequese esquemática serviu e foi suficiente. Se a Igreja hoje insistisse
nessa catequese ultrapassada aí sim deveríamos criticar, pois hoje todos têm possibilidades
de estudar, de aprofundar e fazer isso como honestidade e transparência.
Insistir hoje no jeito de ser igreja como na época de Trento não passa de
atraso ou no mínimo de saudosismo. Temos que olhar para frente e ter a coragem
de aprofundar a nossa fé como pessoas adultas; tenho certeza que isto se
consegue com formação, com leituras, com uma cabeça aberta e jamais com
preconceitos, com leituras de um livro só.
Não
devemos jamais compactuar com o modo equivocado que a Igreja teve no passado de
apresentar a fé aos povos; mas também não podemos pretender sermos juízes e
condená-la sem conhecermos bem o contexto no qual ela se viu obrigada a
apresentar a sua mensagem. Hoje facilmente condenamos o desrespeito que houve
com as culturas nativas, a negação das religiões dessas pessoas, a demonização
de todos aqueles e aquelas que não aceitavam o cristianismo, o quase silêncio
diante da escravização dos africanos, as diversas cruzadas etc., e não lembramos
o outro lado, milhares de profetas que em nome de Jesus deram a vida para
defender os mais humildes, os mais fracos. Devemos ser maduros o suficiente para aceitar que as coisas boas não justificam os erros passados, mas condenar
sem um senso crítico significa apenas repetir os erros do passado. Houve erros,
muitos erros, mas também houve profetismo e defesa dos mais desvalidos.
A
igreja pediu perdão publicamente contra alguns desses erros, tomara que algum
dia alguma instituição reconheça que o cristianismo também trouxe coisas boas
para a civilização ocidental, e que sem ele, esta não seria compreensível.
Dito
isto, podemos começar desde o princípio. Iniciemos com a questão do pecado
original. Dizemos que ele foi a base da fé cristã, pelo menos na justificação
apresentada na catequese e que serviu por séculos. (Lembre-se do esquema: os
seres humanos são pecadores, já nascem com essa marca, por isso Jesus veio,
para salvar, limpar, purificar). Dizemos que grande parte do livro do Gênesis
utilizou a linguagem alegórica, isto é, o livro quis apresentar “verdades de fé”
com uma linguagem compreensível para a sua época. A Sagrada Escritura fala
dessa verdade narrando a história dos primeiros seres humanos: Adão e Eva.
É
preciso relembrar essa narrativa que encontramos no livro do Gênesis (Gn 2,
16-17. 3, 1-24).
(Na
próxima postagem damos continuidade ao tema)
*(Fotos do autor)
Ótimo! Curiosa para ver a próxima postagem! Obrigada! Abraço! Roseni
ResponderExcluirObrigado a você, Roseni, abraço.
ExcluirHoje em dia, ao contrário do passado, tem muitas informações boas e ruins colocadas de várias maneiras pra todos. É na escola, faculdade, igreja e etc..E muitas vezes causa uma confusão na nossa cabeça da maneira que é colocada. Quem não tem um alicerce da sua fé, estremece!!! Obrigado, por compartilhar. Esperando a próxima reflexão!! Abraço. Willian Andrade.
ResponderExcluirPois é, caro Willian, espero que estas reflexões ajudem a tornar a nossa fé mais transparente e sincera. Creio que quanto mais a gente se aprofunda, pode amar mais. Abraço.
ExcluirOi professor!! Parabéns pela reflexão!! lembro com muito carinho das nossas aulas de Antropologia Teológica.
ResponderExcluirOlá, bons tempos aqueles, mas continuamos procurando chegar a todos aqueles e aquelas que desejam pensar a fé. Abraço.
ExcluirConhecer o contexto de cada época em que nossa Igreja esteve presente nos ajuda a reconhecer que nossa fé está em contínua construção, além de expandir nossa mente para este novo tempo em que vivemos, favorecendo que encontremos caminhos em meio a tantos desafios.
ResponderExcluirExcelente reflexão Oscar! Obrigada.
Obrigado Carla pelo carinho e pela companhia, estamos juntos, abraço.
ExcluirReflexáo muito oportuna. Muito obrigado por nos ajudar a compreender a història, dando-nos oportunidade para melher construir a nossa historia.
ResponderExcluirNo aguardo da proxima reflexao.
Att. Luiz Carlos Do Arte
Caro Luiz, obrigado a você pela companhia e pela amizade. Abraço.
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