quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A BASE DA NOSSA FÉ


Nas reflexões anteriores percebemos que o cristão de fé não pode abrir mão da contribuição da ciência. A fé cristã assegura que o ser humano é obra da ação amorosa de Deus e espera que a ciência possa aprofundar as suas buscas para compreendermos ainda melhor o que somos. Eis, por tanto, a primeira base da fé cristã: o ser humano é obra do amor de Deus. Esta é uma base angular para compreendermos a nossa fé. Percebemos também que a teologia se viu na necessidade de reformular as conclusões tiradas dos primeiros capítulos do livro do Gênesis, uma vez que elas têm uma linguagem figurada e verdades de fé tão importantes como o pecado original não podem se fundamentar sobre linguagem figurada (para compreender melhor isto será preciso rever as postagens anteriores). 

A percepção de que o Primeiro Testamento serviu-se, em grande parte da linguagem figurada, levou a teologia a uma crise profunda e à necessidade de releitura, de ressignificação. Podemos dizer, simplificando sempre, que os Concílios modernos foram tentativas de releituras e ressignificações.

Para compreendermos a questão vou exemplificar, de um modo bem simples, correndo o risco de ser superficial. A catequese católica funcionou de um modo maravilhoso durante séculos, seguindo um esquema simplificado e por isso muito claro. Eis o esquema: o ser humano pecou, foi desobediente, por isso foi castigado, expulso do paraíso, carregando a culpa, que vai passando de geração a geração  através dos filhos, vivendo eternamente no vale de lágrimas, que é o mundo, lugar de maldade e de sofrimento. Sendo esta a problemática da condição humana, como solucioná-la? Apresentando alguém que é capaz de lavar, de limpar, de purificar: o Salvador, Jesus Cristo. Pronto!, temos o problema e a solução. Como funcionou isso na prática? Com um processo muito claro e simples que começava com o batismo das crianças, que significava lavar do pecado, da mancha original; depois seguindo umas indicações que assegurariam ao ser humano chegar limpinho ao paraíso perdido. Todos os sacramentos foram colocados com essa finalidade, confissão, primeira comunhão, crisma etc., tinham a finalidade de mostrar o caminho do bem e da salvação. 

Então vem alguém (a crítica literária, por exemplo) e fala para nós que essas  verdades caíram porque a mesa onde estavam depositadas ruiu, em outras palavras, esse esquema tradicional sofreu um golpe terrível, pois os estudiosos nos informaram que as bases dessas verdades foram colocadas sobre frágeis linguagens figuradas. Literalmente a mesa caiu! Muitos diziam que era o fim da religião, que nada, precisamos reconstruir a mesa, então mãos às obras! 

Devemos dizer que esse esquema utilizado pela Igreja por séculos: pecado, culpa = salvador, solução, serviu como catequese, foi útil e ajudou muita gente a viver uma vida tranquila, confiante, bastava seguir tudo direitinho, a consciência ficava em paz e a vida ganhava sentido, não precisavam de mais nada. Hoje as necessidades são muitas, e esse esquema não nos serve mais. (O Concílio Vaticano II que aconteceu em 1962-1965 foi claramente uma tentativa de responder a essas questões, o Concílio buscou responder ao mundo moderno, buscou reler as verdades de fé, abrindo caminho para que a teologia procurasse aprofundar e apresentar ao mundo cristão uma catequese conforme a sua maturidade). 

Não se trata de culpar a Igreja e dizer, por exemplo, “onde é que já se viu a Igreja enganando as pessoas”; não, isso seria injusto com a Igreja, Ela era uma instituição do seu tempo, tinha as carências do seu tempo, as pessoas não sabiam ler, a maioria jamais vira a Sagrada Escritura na sua vida, e aquela catequese esquemática serviu e foi suficiente. Se a Igreja hoje insistisse nessa catequese ultrapassada aí sim deveríamos criticar, pois hoje todos têm possibilidades de estudar, de aprofundar e fazer isso como honestidade e transparência. Insistir hoje no jeito de ser igreja como na época de Trento não passa de atraso ou no mínimo de saudosismo. Temos que olhar para frente e ter a coragem de aprofundar a nossa fé como pessoas adultas; tenho certeza que isto se consegue com formação, com leituras, com uma cabeça aberta e jamais com preconceitos, com leituras de um livro só. 

Não devemos jamais compactuar com o modo equivocado que a Igreja teve no passado de apresentar a fé aos povos; mas também não podemos pretender sermos juízes e condená-la sem conhecermos bem o contexto no qual ela se viu obrigada a apresentar a sua mensagem. Hoje facilmente condenamos o desrespeito que houve com as culturas nativas, a negação das religiões dessas pessoas, a demonização de todos aqueles e aquelas que não aceitavam o cristianismo, o quase silêncio diante da escravização dos africanos, as diversas cruzadas etc., e não lembramos o outro lado, milhares de profetas que em nome de Jesus deram a vida para defender os mais humildes, os mais fracos. Devemos ser maduros o suficiente para aceitar que as coisas boas não justificam os erros passados, mas condenar sem um senso crítico significa apenas repetir os erros do passado. Houve erros, muitos erros, mas também houve profetismo e defesa dos mais desvalidos. 

A igreja pediu perdão publicamente contra alguns desses erros, tomara que algum dia alguma instituição reconheça que o cristianismo também trouxe coisas boas para a civilização ocidental, e que sem ele, esta não seria compreensível. 

Dito isto, podemos começar desde o princípio. Iniciemos com a questão do pecado original. Dizemos que ele foi a base da fé cristã, pelo menos na justificação apresentada na catequese e que serviu por séculos. (Lembre-se do esquema: os seres humanos são pecadores, já nascem com essa marca, por isso Jesus veio, para salvar, limpar, purificar). Dizemos que grande parte do livro do Gênesis utilizou a linguagem alegórica, isto é, o livro quis apresentar “verdades de fé” com uma linguagem compreensível para a sua época. A Sagrada Escritura fala dessa verdade narrando a história dos primeiros seres humanos: Adão e Eva. 

É preciso relembrar essa narrativa que encontramos no livro do Gênesis (Gn 2, 16-17. 3, 1-24).



(Na próxima postagem damos continuidade ao tema)


*(Fotos do autor)

10 comentários:

  1. Ótimo! Curiosa para ver a próxima postagem! Obrigada! Abraço! Roseni

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  2. Hoje em dia, ao contrário do passado, tem muitas informações boas e ruins colocadas de várias maneiras pra todos. É na escola, faculdade, igreja e etc..E muitas vezes causa uma confusão na nossa cabeça da maneira que é colocada. Quem não tem um alicerce da sua fé, estremece!!! Obrigado, por compartilhar. Esperando a próxima reflexão!! Abraço. Willian Andrade.

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    1. Pois é, caro Willian, espero que estas reflexões ajudem a tornar a nossa fé mais transparente e sincera. Creio que quanto mais a gente se aprofunda, pode amar mais. Abraço.

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  3. Oi professor!! Parabéns pela reflexão!! lembro com muito carinho das nossas aulas de Antropologia Teológica.

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    1. Olá, bons tempos aqueles, mas continuamos procurando chegar a todos aqueles e aquelas que desejam pensar a fé. Abraço.

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  4. Conhecer o contexto de cada época em que nossa Igreja esteve presente nos ajuda a reconhecer que nossa fé está em contínua construção, além de expandir nossa mente para este novo tempo em que vivemos, favorecendo que encontremos caminhos em meio a tantos desafios.
    Excelente reflexão Oscar! Obrigada.

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    1. Obrigado Carla pelo carinho e pela companhia, estamos juntos, abraço.

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  5. Reflexáo muito oportuna. Muito obrigado por nos ajudar a compreender a història, dando-nos oportunidade para melher construir a nossa historia.

    No aguardo da proxima reflexao.

    Att. Luiz Carlos Do Arte

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  6. Caro Luiz, obrigado a você pela companhia e pela amizade. Abraço.

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